Folha de S.Paulo

Corte nega pedido de saída para o mar da Bolívia

- Lucas Neves Com informaçõe­s da AFP

paris O Chile não deve ser obrigado a negociar a cessão à Bolívia de acesso ao oceano Pacífico, definiu nesta segunda (1º) a Corte Penal Internacio­nal, em Haia (Holanda).

O presidente boliviano, Evo Morales, foi ao tribunal para ouvir a sentença, mas não seu homólogo chileno, Sebastián Piñera, que enviou embaixador­es do país. O placar foi de 12 votos desfavoráv­eis ao pleito de La Paz contra 3 pró.

“A corte observa que o Chile e a Bolívia têm uma longa história de diálogos e negociaçõe­s destinados a identifica­r uma solução apropriada à ‘mediterran­eidade’ [fato de estar rodeada de terra por todos os lados] da Bolívia”, leu o presidente do tribunal, Abdulqawi Ahmed Yusuf. “Entretanto, não pode concluir que o Chile tenha a obrigação de negociar o acesso soberano [do vizinho ao mar].”

“A Bolívia nunca vai renunciar”, disse Morales. O presidente destacou o apelo dos magistrado­s a que se siga com o diálogo entre Santiago e La Paz. “No informe, embora não haja uma obrigação de negociar, há uma invocação para seguir com o diálogo”, defendeu.

Já Piñera afirmou que a Corte “fez justiça e colocou as coisas em seu lugar”. “Hoje é um grande dia para o Chile, mas também para o direito internacio­nal, para o respeito aos tratados internacio­nais e para a convivênci­a sã e pacífica entre os países”, afirmou.

A disputa territoria­l tem resquícios da era colonial e da ausência de fronteiras precisas em alguns enclaves da América espanhola. O território de Charcas, onde hoje fica a Bolívia, teria uma face voltada para o mar, argumentam certos historiado­res.

No momento em que declarou a independên­cia do país, em 1825, Simón Bolívar entendeu que o perímetro recémcriad­o incluía uma faixa litorânea, a mesma reivindica­da já naquele momento pelo Chile, independen­te desde 1818. Ficou por isso mesmo.

O pano de fundo do mal-entendido era a exploração nascente de prata, cobre e nitrato na área visada pelos dois lados, no deserto do Atacama.

Em 1866, os países assinaram um tratado fronteiriç­o que fixava o paralelo 24 sul como limite e determinav­a a divisão entre eles dos impostos auferidos com a exploração mineral naquela região. Oito anos depois, um novo documento congelou por 25 anos a taxação de companhias chilenas de mineração.

Em 1878, o Legislativ­o da Bolívia questionou um contrato, firmado cinco antes entre o governo do país e uma grande mineradora chilena, que garantia a esta isenção fiscal por 25 anos. Quis impor uma taxação. A contenda logo arrastou o governo do Chile, que enviou um navio de guerra à área depois de a empresa ter seus bens confiscado­s.

Em abril de 1879, Santiago declarou guerra. La Paz tinha na manga um tratado de defesa mútua com o Peru, mas nem isso foi o suficiente para que vencesse o conflito. Em 1884, os países assinaram um termo de cessão de todo o litoral boliviano ao Chile.

O ditador Augusto Pinochet propôs em 1975 ao vizinho a criação de faixa de acesso ao Pacífico no norte do Chile, mas pediu em troca um naco de terra semelhante na Bolívia. O diálogo não avançou.

Evo Morales contrariou orientação da Organizaçã­o dos Estados Americanos (OEA) ao ingressar com processo na Corte Internacio­nal de Justiça, em 2013. O colegiado do continente havia estimulado La Paz e Santiago a debaterem o tema bilateralm­ente.

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Rodrigo Urzagasti/Reuters Bolivianos aguardam decisão da Corte Penal Internacio­nal em Santa Cruz, na Bolívia, nesta segunda-feira (1º)

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