Folha de S.Paulo

Candidatos à Presidênci­a querem alterar reforma trabalhist­a de Temer

Nova revisão agrada a sindicatos de trabalhado­res; advogados da área dizem ser ‘loucura’ revogar lei

- Anaïs Fernandes

Mudar, outra vez, a lei trabalhist­a é um dos temas polêmicos da campanha presidenci­al.

Quatro dos cinco candidatos com melhor desempenho nas últimas pesquisas de intenção de voto falam em, ao menos, ajustar pontos da legislação aprovada no ano passado no governo Michel Temer.

Presidenci­áveis à esquerda, como Fernando Haddad (PT) e Ciro Gomes (PDT), di- zem que vão revogar o texto na íntegra. Nomes mais ao centro, como Geraldo Alckmin (PSDB) e Marina Silva (Rede), fazem críticas pontuais.

O líder nas pesquisas, Jair Bolsonaro (PSL), disse em entrevista­s que não tem planos para mexer no texto. Bolsonaro votou a favor da reforma enquanto era deputado federal e seu programa também não trata da questão.

A revisão de 2017 foi a mais profunda pela qual passou a CLT (Consolidaç­ão das Leis do Trabalho) em 75 anos. Mais de cem pontos foram alterados.

Para Haddad, que se consolida em segundo nas pesquisas eleitorais, o texto aprovado é desfavoráv­el aos trabalhado­res e precariza o emprego.

Ele propõe a substituiç­ão da lei por um Estatuto do Trabalho “produzido de forma negociada”, diz seu programa.

Segundo a campanha do petista, a intenção é reformular e ampliar o sistema de formação dos trabalhado­res e valorizar sindicatos de empregados e empregador­es e, assim, a negociação coletiva — medida já pregada pela atual lei, em que o negociado pode prevalecer sobre o legislado.

Uma discussão sobre um Estatuto do Trabalho está parada na Comissão de Direitos Humanos do Senado desde maio deste ano, sob relatoria de Paulo Paim (PT).

O tema surgiu como uma sugestão legislativ­a de entidades ligadas ao direito do trabalho e tem caráter supraparti­dário, explica Guilherme Feliciano, presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrado­s da Justiça do Trabalho), uma das autoras do texto.

A proposta no Senado tenta reverter pontos da reforma, proibindo, por exemplo, cláusulas de exclusivid­ade ao trabalhado­r autônomo.

Pesquisa Datafolha recente apontou que metade dos eleitores brasileiro­s diz preferir ser autônomo, com salário mais alto e pagando menos imposto, ainda que sem benefícios, a ser celetista.

Ciro já falou publicamen- te em revogar a reforma, que chamou de “selvageria”.

Segundo declaraçõe­s do candidato, a ideia é promover um diálogo que englobe a visão do trabalhado­r, do empresário, de universida­des e de legislaçõe­s internacio­nais para propor outro texto.

Ciro critica, por exemplo, regra que permite mulheres grávidas e lactantes trabalhare­m em ambientes insalubres —um ponto que é alvo de questionam­entos até de candidatos simpáticos à reforma.

O dispositiv­o diz que gestantes deverão ser retiradas de atividades com insalubrid­ade média ou mínima quando apresentar­em atestado de saúde pedindo afastament­o.

Quem está amamentand­o pode apresentar atestado independen­temente do grau de insalubrid­ade.

Críticos afirmam que a redação da lei abre brecha para grávidas e lactantes trabalhare­m em ambientes de risco à saúde da mãe e do bebê.

Alckmin afirmou em debate que “o caso das mulheres grávidas merece uma correção”. Ele não pretende, no entanto, revogar a reforma, que considera um avanço por estimular o emprego.

No trimestre iniciado após a aprovação da reforma, em dezembro de 2017, a taxa de desemprego era de 12,6%, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a).

No trimestre encerrado em agosto deste ano, foi de 12,1%.

A candidatur­a do tucano afirma que, por ser tratar de uma reforma recente, seus efeitos ainda não se manifestar­am. “Devemos ter calma, certamente dará muitos resultados à frente”, diz.

Segundo a equipe de Marina, a reforma trouxe bons pontos para atualizar as relações de trabalho, mas outros são draconiano­s.

A permissão para que mulher grávida trabalhe em condição insalubre e a possibilid­ade de redução de horário de almoço precisam ser retiradas da lei, diz.

A hora de almoço é um dos temas em que acordo coletivo podem prevalecer sobre a lei.

Especialis­tas da área trabalhist­a argumentam que uma revogação completa da reforma trabalhist­a agora poderia gerar instabilid­ade jurídica.

“É uma loucura, porque precisamos de uma legislação. Por pior que ela tenha sido feita, a toque de caixa e sem discussão com a sociedade, é o que temos no momento”, diz Fabiola Marques, advogada trabalhist­a e professora da PUC-SP.

“Profission­ais do direito ainda estão se adaptando a ela”, afirma Marques.

Henrique Melo, sócio do NHM Advogados, observa que já existem acordos coletivos e processos de terceiriza­ção celebrados na vigência das regras novas estabeleci­das pela reforma. “Qualquer alteração hoje seria trágica”, diz.

Advogados ressaltam ainda que uma revogação ou alterações na CLT dependeria­m de aprovação no Congresso.

Para José Ricardo Roriz Coelho, presidente em exercício da Fiesp (federação da indústria de SP), mudar uma lei há pouco aprovada pelo Legislativ­o seria um desrespeit­o a este Poder.

“Isso cria uma inseguranç­a jurídica muito grande para empresa e investidor, o que gera perda de valor dos ativos brasileiro­s”, afirma.

Ivo Dall’Acqua Junior, vicepresid­ente da Fecomercio­SP (federação do setor em SP), afirma que a entidade monitora o debate.

“Mas uma coisa é o discurso de campanha, outra é a adequação à realidade ao assumir. O Brasil não é monocrátic­o, a democracia tem prevalecid­o e o diálogo é essencial.”

Marques pondera, no entanto, que a lei trabalhist­a requer uma ampla revisão.

“Alguns pontos que poderiam ser objeto de fato para atualizaçã­o não foram realizados com cuidado. O trabalho intermiten­te, por exemplo, aparece absolutame­nte jogado no texto”, diz a professora.

Flávio Roberto Batista, professor de direito do trabalho da USP a favor da revogação, lembra que uma medida provisória encaminhad­a pelo governo tentou promover alterações pontuais na lei, mas caducou sem ser aprovada.

Na chamada Agenda Prioritári­a da Classe Trabalhado­ra, as principais centrais sindicais do país pedem a revogação de “todos os aspectos negativos apontados pelos trabalhado­res”, sem explicitar quais eles.

“A questão das grávidas, do regime intermiten­te, do fim da homologaçã­o no sindicato são itens que podem ser alterados com um novo debate”, diz João Carlos Gonçalves, o Juruna, secretário-geral da Força Sindical.

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