Museu Nacional ainda não começou busca por peças
Um mês depois do incêndio que devastou o prédio do Museu Nacional e boa parte de seu acervo no Rio de Janeiro, a operação para estabilizar a estrutura física do edifício está no começo. Sem essa etapa, ainda não é possível saber se ao menos alguns dos espécimes únicos do museu, o mais antigo do Brasil, conseguiram escapar do fogo.
“Antes de qualquer busca, a segurança é primordial, não dá para colocar vidas em risco. É por isso que ninguém mexeu em nada dentro do prédio ainda”, disse à Folha o paleontólogo Alexander Armin Kellner, que dirige a instituição desde fevereiro deste ano.
Segundo Kellner, o processo vai incluir a colocação de uma cobertura provisória sobre o antigo palácio das famílias reais portuguesa e brasileira, onde ficavam as grandes exposições do museu e muito de seu acervo. Todo o trabalho, que começou há cerca de uma semana, deve durar até 180 dias e, conforme cada área do prédio for considerada segura, começarão os trabalhos de resgate.
Da ajuda prometida por diferentes órgãos para a reconstrução do museu, o diretor afirma que já foram liberados R$ 8,9 milhões do Ministério da Educação, que vão ser usados tanto no trabalho de estabilização quanto no isolamento do edifício e na instalação de contêineres para abrigar os pesquisadores que perderam seus locais de trabalho.
“A gente está procurando voltar à normalidade administrativa”, explica Kellner. “Muito mais do que os acervos e as exposições, embora eles sejam indispensáveis, a melhor aposta para o restabelecimento do museu é a nossa capacidade de continuar gerando conhecimento.”
Para isso, cientistas e funcionários têm precisado improvisar. Apesar da destruição da parte interna do antigo palácio na Quinta da Boa Vista, coleções como a de vertebrados e a de botânica e a biblioteca principal da instituição foram salvos do fogo por estarem em outros prédios. É nesses locais que o trabalho de pesquisa continua, com os ocupantes usuais de cada sala dividindo espaço com colegas que corriam o risco de ficar desalojados.
“Faço parte da comissão de espaço, então não sei se saio vivo dessa nos próximos meses”, brinca José Perez Pombal Junior, curador das coleções de anfíbios do museu e professor da UFRJ. Ele conta que outros pesquisadores, como as da área de antropologia, têm trabalhado na biblioteca. “As aulas de pós-graduação não pararam. Já tivemos até defesa de tese de doutora- do depois do incêndio.”
A biblioteca de antropologia social, uma das mais importantes da América Latina e totalmente destruída pelo incêndio, tem recebido uma quantidade considerável de doações, inclusive a biblioteca pessoal do pesquisador carioca Gilberto Velho (19452012), que foi decano do Departamento de Antropologia do museu até sua morte.
E zoólogos do museu já têm ido a campo para coletar novos espécimes na tentativa de repovoar o acervo de invertebrados, um dos mais ricos (com 5 milhões de exemplares apenas no caso de insetos) e mais duramente atingidos.
Antes que uma sede renovada esteja disponível, Kellner diz que a intenção do museu é voltar a exibir seu acervo ainda considerável ao público. Há o plano de revitalizar o Horto Botânico do museu para que ele abrigue uma pequena mostra, que voltaria a receber visitantes. “Seria ilusão, até leviano, dizer que o acervo antigo vai ser reconstituído, mas vamos continuar a cumprir nossa função.”
“A sensação é que a gente está voltando à tona”, diz Pombal Junior. “Todo mundo ficou sem ar e se agarrou a qualquer coisa para não afundar. Só vamos saber o custo científico daqui a dois ou três anos, mas todo mundo continua tentando produzir ciência.”