Folha de S.Paulo

Em apocalipse zumbi, peça cria metáfora para mazelas sociais

- MLB

É o fim do mundo. Zumbis tomaram conta de tudo, e restam poucos sobreviven­tes. É preciso então agir. Nada de exércitos ou insurgênci­as, mas uma palestra, fria e calculista, de como se virar em meio ao apocalipse.

É quase monótono o tom em que falam os quatro palestrant­es de “Mortos-Vivos, Uma Ex-Conferênci­a”, peça do grupo carioca Foguetes Maravilha que estreia em São Paulo.

Dialogam quase sem mexer os lábios, falando entre os dentes e num olhar fixo, quase sem vida. Explicam quem são os tais zumbis, seres antissocia­is que agem por impulso e com quem não é possível dialogar. Também se vestem de modo estranho e têm uma higiene pessoal duvidosa.

É um preceito um tanto fantasioso, porém serve de metáfora para tratar das mazelas sociais. Escrito pelo gaúcho Alex Cassal, que há alguns anos mora em Portugal, o texto refletia a visão do autor sobre a crise de refugiados na Europa. Logo ganhou paralelos com questões brasileira­s.

“O refugiado é visto como um povo que foi desciviliz­ado, desumaniza­do. E isso fica complexo quando é transposto para as questões de classe no Brasil”, afirma Renato Linhares, que dirige a montagem e integra o elenco.

“O mais baixo na escala hierárquic­a dos personagen­s de terror”, segundo o encenador, o zumbi acaba representa­ndo tudo aquilo que é diferente e causa incômodo, amedronta.

Tanto que os conferenci­stas replicam ironicamen­te algumas frases feitas. “Morto-vivo bom é morto-vivo morto”, diz em determinad­o momento um dos palestrant­es. Já outro propõe a criação do MCCZB - Movimento Cívico Contra a Zumbificaç­ão do Brasil.

Os estudiosos também passeiam por outras teorias. Lembram, entre outros, da “banalidade do mal” expressa por Hannah Arendt para falar dos nazistas não apenas como violentos, mas burocratas que seguem à risca suas ordens.

Mas tudo é feito com algum humor, em parte inspirado em clássicos pastelões como a série cômica “Os Trapalhões”.

As vozes dos atores, que falam por meio de microfones, começam sincopadas e rígidas. Ao longo da peça, ficam mais soltas, mas começam a falhar. Uma sobrepõe a outra; por vezes há microfonia.

“É como se o mundo estivesse acabando mesmo, tudo falha”, afirma Linhares. “Como esse é um tema muito difícil, a gente resolveu brincar com toda a linguagem.”

Mortos-Vivos, Uma Ex-Conferênci­a

Sesc Belenzinho, r. Padre Adelino, 1.000. Sex. e sáb., às 21h30, dom., às 18h30. Até 27/10. Ingr.: R$ 9 a R$ 30. 12 anos

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Renato Linhares (esq.), Lucas Canavarro, Stella Rabello e Felipe Rocha em ‘Mortos-Vivos, Uma Ex-Conferênci­a’

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