Folha de S.Paulo

‘Essa geração é perdida historicam­ente’, diz Toquinho

- João Paulo Martins Adriano Vizoni - 5.set.18/Folhapress

Antônio Pecci Filho, 72, tem seu nome misturado à história da música brasileira. Toquinho, como ficou internacio­nalmente conhecido, ganhou o apelido de sua mãe, que era costureira.

O músico lança nesta terçafeira (2) material inédito para comemorar os 50 anos de carreira. O CD e o DVD percorrem toda a sua trajetória, iniciada nos anos 1960.

As canções contidas na caixa são versões repaginada­s de clássicos da sua obra, com algumas participaç­ões de intérprete­s da nova geração, como Tiê e Verônica Ferriani —que cantam “A Noite” e “O Velho e a Flor”. “Eu tenho consciênci­a da geração a que pertenço, mas estou buscando me renovar, fazer coisas com a cara deste tempo atual.”

Em seu apartament­o, em São Paulo, o compositor de “Aquarela” disse que “não sabe mesmo se tem toda essa importânci­a para a música brasileira”. “As pessoas se importam mais com isso do que eu. Eu quero mesmo é tocar, e só. Tenho 72 anos e me sinto ótimo no palco.”

Apesar da modéstia, os números de carreira de Toquinho mostram sua relevância na MPB. Ao todo, são mais de 5.000 shows, 350 músicas gravadas e 80 discos, que incluem parcerias com nomes como Chico Buarque, Gilberto Gil e Tom Jobim.

Apaixonado por violão, ele tem um em cada cômodo da casa e passa horas do seu dia “namorando” o instrument­o. “Toco no banheiro, na cama, depois do almoço. No mínimo cinco horas por dia.”

Orgulhoso da geração de músicos da qual faz parte, ele não enxerga muitas perspectiv­as na atual safra de compositor­es do Brasil. “Talento sempre haverá, vira e mexe você encontra uma coisa aqui, outra ali. Mas, na essência, essa geração é completame­nte passiva e perdida historicam­ente. A minha vai permanecer para sempre na história; essa certamente não.”

Durante uma hora de conversa, ele também relembrou seu processo criativo junto a Vinicius de Moraes, de quem foi parceiro em várias canções. “Era muito fácil trabalhar com ele. Primeiro eu fazia as músicas e, depois, ele colocava as letras com calma.”

Questionad­o sobre o motivo de Vinicius não ter cantado no disco “Um Pouco de Ilusão”, de 1980, ainda que seu nome constasse na ficha técnica, ele credita a ausência ao estado de saúde do poeta na época. “Ele teve um AVC isquêmico pouco antes das gravações começarem, o que dificultou o trabalho. Por isso ele não cantou. Tanto que morreu logo depois.”

O músico também falou de sua relação profunda com a espiritual­idade. “Já participei de muitas religiões. No espiritism­o, cheguei a psicografa­r no centro de um tio, mas fiquei com medo e não quis prosseguir.”

Toquinho diz estar descrente com a situação política do país. “Eu venho de um Brasil bonito, da bossa nova, do Rio, de JK. Hoje temos um país tacanho, mambembe e corrupto. Vou acabar votando em alguém para contribuir com a nossa democracia, mas nenhum deles satisfaz o que eu penso sobre a sociedade.”

Para o compositor, os artistas não têm a obrigação de falarem de política. “Não tomar partido já é um posicionam­ento político. Toda obra que fica associada com panfletage­m política, acaba ficando limitada ou esquecida no tempo. Minha música é eterna.”

Sobre os entreveros que seus contemporâ­neos tiveram com as grandes gravadoras, ele afirma não ter brigado com as corporaçõe­s. “Elas se aproveitav­am de mim e eu me aproveitav­a delas. Música é produto.”

Toquinho 50 Anos de Carreira

Artista: Toquinho. Gravadora: Deck Disc. R$ 134,90 (CD e DVD)

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O músico Toquinho, em São Paulo

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