Tucanos não trabalharam, e derrota de Alckmin foi desastre, diz ACM Neto
Presidente do DEM afirma que durante a campanha eleitoral ‘cada um cuidou do seu próprio umbigo’
Num balanço do que chama de “desastre eleitoral”, o presidente do DEM e prefeito de Salvador, ACM Neto, elenca um conjunto de fatores que levaram à derrocada de Geraldo Alckmin (PSDB) e inicia a lista apontando o dedo para a infidelidade tucana.
“Poucos efetivamente trabalharam por Geraldo. Cada um cuidou de seu próprio umbigo”, afirmou à Folha.
Coordenador da coligação de Alckmin, ele diz que a equipe tucana subestimou a força das redes sociais, mas pondera que a facada e a exposição que Jair Bolsonaro (PSL) teve após o atentado foram determinantes para o resultado.
Neto, que declarou apoio ao candidato do PSL no segundo turno, diz que não o vê como uma ameaça à democracia. “Não apenas pelas palavras dele, mas porque eu penso que hoje as nossas instituições são muito mais fortes do que as pessoas.”
O presidente do DEM avalia que “Bolsonaro candidato” é melhor “do que o deputado”.
A que atribui o desempenho de Geraldo Alckmin?
Foi muito abaixo de todas as expectativas e de qualquer cenário que tenha sido traçado. Um desastre eleitoral como este jamais é resultado apenas de um elemento, mas de um conjunto. Quando o DEM avaliou alternativas, fizemos pesquisas. As qualitativas já apontavam enorme dificuldade para uma candidatura tucana. Não apenas dele [Alckmin]. Havia um desgaste muito grande do PSDB, certa fadiga de material em São Paulo. Aí começa a campanha e uma série de intercorrências.
Que intercorrências?
É preciso destacar a falta de compromisso dos aliados, a começar pelos próprios tucanos. Cada um cuidou de seu próprio umbigo. Na medida em que os próprios tucanos não davam exemplo, era difícil cobrar dos outros.
Houve quem declarasse apoio ao Bolsonaro ainda no primeiro turno. Sim. Geraldo tinha dois grandes ativos: os palanques nos estados, que não funcionaram, e o enorme tempo de televisão, que também não funcionou. A campanha tucana não se preparou para este mundo digital. A atuação foi muito limitada.
Houve falha na comunicação, então?
A campanha relativizou o peso que as redes teriam. Por outro lado, houve elementos que são alheios a qualquer previsão e foram determinantes. Os dois grandes fatos do primeiro turno foram: Lula pode ou não ser candidato, e a lamentável facada no Bolsonaro. Isso contribuiu para uma polarização.
E Bolsonaro, registre-se, começou a trabalhar muito antes do que todos os outros. Fica uma lição para os tucanos. Ao longo de todas as últimas eleições, eles deixaram para estruturar a candidatura presidencial em cima da hora. Esse resultado também demonstra que não dá mais para fazer um projeto grandioso da noite para o dia.
A eleição consolida a perda de importância do tempo de televisão?
Não dá para dizer que o tempo de televisão não conta mais. O que dá para dizer é que só o tempo de televisão não elege mais ninguém. Tem que ser a soma de rua, rede social e TV. Bolsonaro não é exceção a essa regra. Ele não teve o tempo da propaganda política, mas teve uma exposição espontânea em função do lamentável episódio.
Não fosse a facada, acha que ele teria esse patamar?
As pesquisas que a gente via mostravam o Bolsonaro com um teto muito abaixo do que o que ele veio a ter no primeiro turno. Não tenho dúvida de que contribuiu. Gerou dois polos de debate no Brasil: um em torno do PT e outro em torno dele. O eleitor que não queria o PT, já no primeiro turno, começou a enxergar nele uma possibilidade. O voto útil, que se imaginava que poderia ir para o Geraldo, acabou migrando todo para o Bolsonaro.
Se arrepende de não ter apoiado Ciro?
Não, por dois motivos. Primeiro, o apoio a Geraldo foi muito mais palatável para as bases do DEM. Havia resistência ao Ciro. Menos minha, menos do Rodrigo Maia, e mais de um conjunto de políticos da nossa base. Isso contou muito. Um segundo ponto é que, analisando o perfil de todos os candidatos, tínhamos convicção de que Geraldo era o mais preparado. Ponto. O eleitor não concordou, paciência. Nem sempre a gente está do lado da maioria.
Bolsonaro agora adota um discurso pacificador, mas já deu declarações polêmicas. Acha que ele é capaz de unir o país?
O candidato Jair Bolsonaro tem se mostrado muito melhor do que o deputado Jair Bolsonaro. Mais maduro, evoluído, moderado. Qual é a minha esperança? É a de que, uma vez eleito, ele tenha a exata noção da responsabilidade que lhe aguarda. E do peso que isso vai significar em suas costas. E aí sim, ele tem uma postura de construir uma união nacional. Não tem outro caminho. Não dá para governar para uma parte do país. Não dá para ter essa distinção porque se não vamos ter um país conflagrado, como de certa forma está desde 2014.
Bolsonaro é um risco à democracia?
Não acho. Penso que hoje as nossas instituições são muito mais fortes do que as pessoas. Prova disso foram os últimos quatro anos. Se a democracia tinha que passar por um teste, passou. Resistiu ao impeachment de uma presidente eleita com o respaldo do mais popular do país. Resistiu a duas votações de admissibilidade de denúncia contra um presidente. Nada disso foi capaz de abalar a força do Judiciário, do Ministério Público, a liberdade de imprensa.
As urnas mostraram que a população rejeitou a política tradicional. Que recado tira disso?
As urnas mostraram um profundo desejo de mudança, uma rejeição completa de práticas que se sucederam por muitos anos. Algumas pessoas não se reelegeram e foi justo, para outras, injusto. Eu acho que nem todos os que não passaram pela peneira das urnas deveriam ter ficado de fora. Poderia citar um número grande de pessoas qualificadas que não se elegeram.
Como vê a articulação de aliados de Bolsonaro para eleger o próximo presidente da Câmara no lugar de Rodrigo Maia?
Rodrigo, de maneira muito prudente, responsável e madura, não tem admitido tratar de sucessão da Câmara neste momento. Ele sabe que este não é um assunto que deve ser tratado até a eleição ser concluída no dia 28 de outubro. Mas seja qual for o cenário, ele será uma das peças fundamentais.