Folha de S.Paulo

Bolsonaro tem de aprender a ser poder

Mesmo virtualmen­te vitoriosos, bolsonaris­tas querem exercer o poder das vítimas

- Reinaldo Azevedo Jornalista, autor de “O País dos Petralhas” I e II

Os auxiliares de Jair Bolsonaro estão buscando chifre em cabeça de cavalo e a quadratura do círculo. Nessa trilha, vão acabar encontrand­o alguma formação estranha. Não será nem chifre nem milagre geométrico, mas confusão.

O candidato do PSL está virtualmen­te eleito. Seus homens de confiança ainda não começaram a falar a linguagem de quem vai ser poder. Ao contrário. Eles se batem contra uma espécie de Leviatã comunista que estaria no comando, a ameaçar o Brasil, e isso lhes impõe uma retórica beligerant­e, reativa e agressiva. E que, levada a efeito, nos empurraria e a si mesmos para o buraco. Hora de parar.

O general Aléssio Ribeiro Souto, que cuida da educação, concede uma entrevista e trata das deficiênci­as do setor. Reclama do ensino ideologiza­do. Fato. Geralmente em escola privada, com arcondicio­nado. Talvez o militar devesse ouvir Nego do Borel: “Se eu não guardo nem dinheiro, o que dirá guardar rancor?” Na escola pública, quando o aluno encontrar uma cadeira inteira em que se acomodar, o professor eventualme­nte fará seu proselitis­mo —no dia em que houver aula, claro!

Souto demonstra a preocupaçã­o de fazer a verdade de 1964 chegar aos professore­s. Como? Acha ainda que criacionis­mo e evolucioni­smo são alternativ­as a serem oferecidas aos estudantes, sem direcionam­ento. Errado. Para o primeiro, o STF autoriza aulas de religião, quando houver condições de oferecê-las, a quem quiser.

O homem do agronegóci­o, do meio ambiente e da reforma agrária (é muita coisa reunida), Nabhan Garcia, da UDR, diz que há espaço para desmatamen­to na Amazônia. Bem lido o Código Florestal, há mesmo, desde que o dono ainda não tenha utilizado os 20% da terra que podem ser destinados à produção se a propriedad­e estiver em área de floresta. Então a boa conversa é defender a aplicação do código, um dos marcos legais que permitem ao Brasil, para o seu bem, entrar pela porta da frente no Acordo de Paris, que trata do clima.

Isso é bom para os negócios, não ruim. O “desmatamen­to zero” tem como parâmetro o código. É um zero relativo, não absoluto. Mas aí Garcia reclama da fiscalizaç­ão do Ibama, que seria abusiva. Bem, criem-se mecanismos contra os maus fiscais. O meio ambiente é hoje, no mundo, um critério e um filtro para fazer —ou não fazer— negócios. Produtores de ponta preveem problemas. E os haverá a ser mantida a proposta.

Garcia também diz que o governo não vai conversar com o MST. Considera suas práticas terrorista­s. Algumas são mesmo. O país tem uma lei antiterror­ismo, a 13.260, que traz uma marotice, no parágrafo 2º do artigo 2º. Se a prática violenta tem “propósitos sociais ou reivindica­tórios”, aí terrorismo não é. Faz sentido? Não! Atos terrorista­s costumam ter como justificat­iva o amor pela humanidade.

Que se proponha, então, um projeto para mudar a lei. Mas venham cá: o MST é, em si, um movimento que pode ser tachado de terrorista? Todo ele? Será mesmo uma boa ideia juntar o meio ambiente com o agronegóci­o e cortar a interlocuç­ão com os sem-terra?

Ousaria dizer que os competidor­es do Brasil aprovariam o pacote porque ele fragiliza a nossa reputação na arena global. E não adianta fingir que os outros não existem. Não parece inteligent­e.

Gustavo Bebianno, interlocut­or do primeiro círculo do bolsonaris­mo, candidato a ministro da Justiça, diz que não haverá diálogo com a oposição. Ora, o pressupost­o do regime democrátic­o é a existência de grupos que se opõem. Nas democracia­s, que não cortam a cabeça de adversário­s no escurinho do consulado, o que legitima o governo é a oposição, que também é eleita pelo povo.

Essa conversa de considerar o adversário inimigo da pátria é coisa de quem quer rachar o país em vez de uni-lo na divergênci­a. E que considera que brasileiro­s de respeito são apenas aqueles que aderem ao vencedor. Já vi esse troço com sinal trocado. Termina mal.

Os mais otimistas apostam que a vitória será uma boa conselheir­a de Bolsonaro. Tomara! Saber ganhar é mais importante do que saber perder. Por motivos óbvios. Afinal, quem vence fica com as batatas.

Essa conversa de considerar o adversário inimigo da pátria é coisa de quem quer rachar o país em vez de uni-lo na divergênci­a. E que considera que brasileiro­s de respeito são apenas aqueles que aderem ao vencedor

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