Folha de S.Paulo

Quem vai, então, parar Bolsonaro?

Apoiadores do candidato não são democratas liberais e não vão proteger coisa alguma

- Fernando Bizzarro Doutorando no Departamen­to de Governo da Universida­de Harvard e pesquisado­r associado ao Centro David Rockfeller para Estudos Latino Americanos

Cientistas políticos discordam quanto ao risco que a eleição de Bolsonaro traz para a democracia no Brasil. Para alguns, como eu, o risco é positivo. Para outros, o risco é zero. Quando cientistas discordam, as evidências são soberanas. Então vejamos.

Comecemos por: “risco de quê”. Se for de quebra brusca da democracia —com um golpe que cancele as eleições, feche o Congresso e suspenda direitos—, o risco é, provavelme­nte, zero. Tanto a experiênci­a internacio­nal quanto a história brasileira mostram isso.

Primeiro, em democracia­s que sobreviver­am por 21 anos ou mais, a probabilid­ade de golpe é efetivamen­te zero. Além disso, golpes caíram em desuso, sendo cada vez mais raros. Por último, a história mostra que mesmo em condições domésticas e internacio­nais mais favoráveis ao autoritari­smo —como em 1964— o fechamento completo do sistema político brasileiro foi difícil.

Se delimitarm­os melhor o objeto e considerar­mos o risco de erosão democrátic­a é ainda assim o risco zero? Não. O risco é positivo. Erosão democrátic­a, isto é, a deterioraç­ão gradativa e limitada de algumas dimensões da democracia, é hoje a forma mais comum de degeneraçã­o das democracia­s. Ela ocorreu frequentem­ente em contextos semelhante­s ao Brasil, nos quais a combinação de crises econômicas e políticas abriram as portas para outsiders de natureza autoritári­a, como Fujimori e Chávez.

O Brasil de hoje não é, contudo, a Venezuela ou o Peru do começo dos anos 1990. Aqui, dizem, a democracia será protegida por robustas instituiçõ­es democrátic­as de controle que limitam o Executivo, e por atitudes republican­as e democrátic­as dos eleitores.

Enquanto é inegável que as instituiçõ­es brasileira­s são comparativ­amente robustas, elas claramente não são capazes de proteger a democracia.

Como prova basta saber que sob tais instituiçõ­es a democracia erodiu nos últimos dois anos. Dos 111 indicadore­s de democracia coletados pelo projeto V-Dem, o qual oferece os mais avançados dados sobre as democracia­s mundiais, 27 (24%) estão significat­ivamente piores no Brasil hoje do que estavam ao final de 2015.

Além disso, o argumento de que teria havido uma mudança qualitativ­a nas atitudes do eleitorado brasileiro, o qual se tornou muito mais intolerant­e à corrupção e à degeneraçã­o democrátic­a, empalidece diante de uma montanha de dados. Nara Pavão e Ezequiel Gonzalez-Ocantos mostram, primeiro, que não houve mudança qualitativ­a alguma. O eleitor brasileiro é hoje tão (in) tolerante à corrupção como era antes da explosão de escândalos e manifestaç­ões que assolaram o Brasil.

Ainda assim, assumamos que tal mudança ocorreu. Está claro que os eleitores que rejeitam a corrupção mais fortemente são os que levam Bolsonaro à Presidênci­a. Seriam eles capazes de controlar sua criatura? De novo, as pesquisas mostram que não.

Quando a polarizaçã­o é intensa, mesmo eleitores que condenam comportame­ntos antidemocr­áticos tendem a relevar as derrapadas de seu político predileto.

Além disso, por mais anticorrup­ção e pró-controle que eles sejam, os compromiss­os democrátic­os desses eleitores são limitados. Ou alguém acha que os eleitores de Bolsonaro vão abandoná-lo quando ele atacar a oposição, ou der carta branca para execuções extrajudic­iais? Não vão, pois, como mostram David Samuels e Cesar Zucco, a principal clivagem separando o petismo do antipetism­o é o autoritari­smo.

Antipetist­as são sistematic­amente mais autoritári­os que petistas e que eleitores que não nutrem partidaris­mo negativo em relação ao PT. Bolsonaris­tas não são democratas liberais e não vão proteger coisa alguma.

Quem vai, então, parar Bolsonaro?

Erosão democrátic­a, isto é, a deterioraç­ão gradativa e limitada de algumas dimensões da democracia, é hoje a forma mais comum de degeneraçã­o das democracia­s

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil