Folha de S.Paulo

Incertezas até o Natal

Além de tumulto na eleição, economia incógnita e política difícil devem balançar o resto de 2018

- Vinicius Torres Freire Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de Harvard (EUA) vinicius.torres@grupofolha.com.br

Para quem esperava calmaria nestes dias finais de campanha, a quinta-feira foi agitada. Mais que isso, houve outras notícias de que a transição para o próximo governo, qualquer que seja, tende a ser acidentada.

A reportagem desta Folha que trata de suspeitas de financiame­nto ilegal da campanha de Jair Bolsonaro (PSL) indica que não haverá modorra, com restos de confusão a pagar e apagar mesmo depois de encerrada a eleição.

Haverá mais, porém, mesmo em caso de vitória do preferido das elites econômicas, o candidato do PSL.

Haverá uma nomeação crucial, o novo comando do Banco Central. Haverá a negociação com o Congresso e a eleição do novo comando da Câmara, que já estão quentes. Terá de haver, enfim, a divulgação do que seria o programa para a economia, ainda uma incógnita para especialis­tas, que dirá para a massa do eleitorado. Muita gente votou na esperança vã de que promessas de fim da corrupção e de “quebrar o sistema” resolvam a crise econômica que já dura meia década.

Caso as instituiçõ­es do sistema de Justiça se encarregue­m de averiguar o que se passa na escuridão do WhatsApp, pode haver sequelas, no mínimo uma indisposiç­ão de um presidente com procurador­es e juízes. Convém lembrar que o próximo governante nomeará ministros do Supremo e o procurador-geral da República.

A disputa pelo crucial comando da Câmara dos Deputados já começou, por ora dividindo parte dos bolsonaris­tas e o núcleo do centrão, com o DEM à frente, um grupo de partidos que conta com 142 deputados. Dizem que não vão aceitar atropelame­nto do bolsonaris­mo eventualme­nte triunfante. Como parece óbvio, estão a dizer que querem manter Rodrigo Maia (DEM) à frente da Câmara a fim de negociar um acordo, o que causaria repulsa a Bolsonaro.

Denúncias e política não abalaram os negociante­s de dinheiro, investidor­es e credores do governo, o dito mercado. No entanto, houve um remelexo com a hipótese de que Ilan Goldfajn vá deixar a presidênci­a do Banco Central, divulgada pelo serviço de notícias financeira­s Bloomberg.

Não deve ser tão difícil encontrar na finança um nome em tese competente para comandar o BC, embora o prestígio de Goldfajn seja grande na praça: sua permanênci­a seria um seguro para o início de qualquer governo, menos incerteza. Um novo nome precisaria mostrar a que veio, o que demora um tanto. Se o resto do governo da economia e a situação financeira mundial estiverem em paz, haverá tempo de sobra para isso. Estarão?

O governo eleito terá de, enfim, explicitar seus planos econômicos, o que pode ser traumático para um eleitorado que não se ocupou muito do assunto. Frustraçõe­s ou espantos podem ter consequênc­ias funestas e impactos na confiança econômica. Não é destino, mas é um problema delicado.

Os vazamentos da campanha de Bolsonaro continuam a causar ruído. Foi assim no caso de bravatas ambientais, que assustaram os setores sensatos do agronegóci­o. Foi assim no caso da China, que causou má impressão aqui e lá fora, para quem espera que o país atraia capital estrangeir­o para negócios de infraestru­tura. Não parou por aí.

Gente do governo argentino ficou mal impression­ada com as declaraçõe­s imprudente­s sobre abertura unilateral do comércio exterior brasileiro, em tese uma boa notícia, mas que precisa ser combinada com um sócio do Mercosul e grande parceiro comercial do Brasil.

À beira do fim da eleição, ninguém conhece os passos dessa estrada.

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