Após avanços tecnológicos, medicina deve mirar na empatia
Médicos sempre ocuparam uma posição de prestígio na sociedade. Mas, embora a finalidade do ofício permaneça essencialmente a mesma, o modus operandi mudou drasticamente.
Nos dias que antecederam o Dia do Médico (18 de outubro), a Folha conversou com profissionais para coletar suas impressões sobre a carreira, as mudanças nela e o futuro da profissão.
O foco da atuação médica deve ser cada vez menos o controle sobre o destino do paciente e mais o desenvolvimento e a interpretação de tecnologias, incluindo a inteligência artificial. Já o lado humanístico, que perdeu espaço para os exames e as máquinas, tende a recuperar cada vez mais sua importância.
De meados do século 20 até agora, houve grande avanço tecnológico e a proliferação de exames. Crescia o catálogo dos laboratórios e também a dependência do médico em relação aos testes. A impressão dos pacientes passou a ser a de que o cuidado é ruim se o médico não solicita exames. Isso num contexto em que o tempo de interação entre paciente e médico é diminuto.
O tema é caro a Jayme Murahovschi, 86, uma das maiores referências em pediatria no país. “Tem que haver progressão tecnológica, claro, mas mais importante que isso é a ligação emocional com o paciente. Hoje médicos pedem muitos exames e os pacientes também. Eu peço o básico às vezes só para não dizer que é só a minha opinião.”
Murahovschi está entre os que acreditam que a profissão está sofrendo uma reviravolta, quase que voltando às origens clássicas, hipocráticas: “Os médicos do futuro vão ter que ter que conhecer o paciente a fundo e dar a atenção de que ele precisa usando tecnologia.”
No futuro, alguns profissionais podem também migrar para uma medicina mais técnica, preveem analistas.
Esses doutores atuariam na interface entre conhecimento biomédico e a tecnologia por trás de plataformas de diagnóstico por imagem e reabilitação. Ou ainda alimentando uma plataforma de inteligência artificial com dados e reformulando seus algoritmos, tornando-a mais esperta.
“Alguns médicos não vão ter nem que interpretar o resultado, que vem de uma caixa preta, mas traduzir a consequência para o paciente e ajudá-lo a buscar alternativas para lidar com o problema”, diz o professor de oftalmologia da Unifesp Paulo Schor, 53.
Para Schor esse protagonismo conquistado pelos pacientes hoje é sinal para a prática médica voltar às suas raízes. “É uma razão para tratar o paciente como ser pensante.”
Outra tecnologia do futuro já presente, lembram Schor e Murahovschi, é a telemedicina, que descentraliza a realização de consultas e exames. Clínicas pequenas e médicos generalistas podem contar com laudos de especialistas de locais distantes, rapidamente, pela internet; uma junta médica pode discutir, remotamente, diversos casos de pacientes; seria possível até realizar algumas consultas a distância, embora haja restrições do CFM nesse sentido.
Até cirurgias poderiam ser feitas a distância, com o advento da cirurgia robótica.
O papel que os médicos mais experientes podem exercer é o de ponte entre o conhecimento do passado e a inteligência artificial, que, segundo o psiquiatra Jorge da Costa e Silva, 76, presidente da Academia Nacional de Medicina, será onipresente na medicina.
“Nos EUA e em outros lugares, o prontuário eletrônico é realidade. A receita vai estar num cartão que pode ser lido na farmácia. O banco de dados registra se o paciente comprou ou não o remédio.” Um porém: “O sigilo médico não existe mais.”
Além da A.I., é possível sonhar com a evolução do transumanismo —área de estudo que avalia possibilidades de a condição humana se alterar por meio da tecnologia. Entre as hipóteses aventadas está a de fazer download de informações para a mente ou fazer o upload da própria mente para dispositivos externos.
Essa caminhada transgressora já teria começado, afirma o psiquiatra: dificilmente alguém chega aos 70, 80, anos sem uma prótese de joelho, de quadril, um marcapasso, um stent… Esses dispositivos são só o prenúncio. “O futuro está aí, só não sabemos a velocidade em que ele vai chegar.”
“Tem que haver progressão tecnológica, mas o mais importante é a ligação emocional com o paciente. Hoje médicos pedem muitos exames Jayme Murahovschi Pediatra