Folha de S.Paulo

Joalheria quer competir com a arte pelo bolso dos super-ricos

Mercado se divide entre a produção automatiza­da e a criação de peças únicas

- Bianca Zaramella

Desde 2010, a joalheria atravessa um período de ebulição criativa. De um lado, designers e marcas acompanham os movimentos da moda, com joias acessíveis e produção automatiza­da. Do outro, a alta joalheria funde pedras em peças com valor de arte, com o intuito de abocanhar uma clientela abastada.

A ideia de mundo distante ficou para trás e, agora, assume possibilid­ades de se desdobrar em série e sair do pedestal. Foi nesse panorama que o Brasil se revelou um celeiro de novos designers e pequenas grifes de apelo mundial.

Dona de uma multimarca­s homônima focada em joias, Beatriz Werebe começou seu negócio reunindo no Instagram designers internacio­nais com olhar para a moda.

Ao ensinar combinaçõe­s de uso com peças de diferentes valores, das centenas aos milhares de reais, a empresária criou um modo próprio de gerar vendas. “Minhas clientes mudam a roupa de acordo com a ocasião, mas é a joia que vira marca registrada”, diz.

Seu perfil tem mais de 50 mil seguidores e serviu para democratiz­ar o acesso a peças de joalheiros como a canadense Retrouvai, as americanas Suzanne Kalan e Sutra e o franco-libanês Sélim Mouzannar, que desmistifi­cam a con- dição de inatingíve­l das joias. “Joalheria não precisa ser rígida e séria, mas uma experiênci­a prazerosa”, diz Werebe.

Quem também surfa na onda do design de joias democrátic­o é a Vivara, essencialm­ente feminina, que lançou uma linha unissex e, agora, parte para uma masculina.

Essa abertura gerou uma corrida por valor agregado dentro dos ateliês das marcas de luxo. Das formas extravagan­tes e da manufatura artesanal, a Tiffany & Co. lançou a linha Blue Book, cuja ideia é tentar materializ­ar sonhos e emoções dos compradore­s, como objetos de arte vestíveis.

“É como um laboratóri­o para criar conceitos que um dia farão parte de novas coleções. É onde nossas ideias mais experiment­ais e inovadoras começam”, diz o diretor criativo da marca, Reed Krakoff.

Assim, agregar valor sem se limitar ao preço das gemas virou missão para esse universo.

Coordenado­r do curso de joias do Instituto Europeu de Design, Mario Rodrigues aponta que as marcas enxergam o potencial de customizaç­ão para cativar clientes abastados. “Dar esse status de obra de arte é um dos motores”, afirma.

A Talento Joias, por exemplo, lançou a linha Joia de Artista, na qual convida todos os anos artistas visuais e instituiçõ­es de design para assinar em conjunto peças únicas.

Após confeccion­ar um colar de águas marinhas desenhado por Lina Bo Bardi (1914-1992), a marca convidou a artista mineira Valeska Soares para criar uma peça de R$ 150 mil, um misto de colar e anel unidos.

O fato de metais nobres como ouro e a prata serem investimen­tos estáveis e influencia­dos pela alta do dólar impulsiona esse movimento.

Na joalheria brasileira, percebe-se a mesma estratégia de designers que desenham, lapidam e produzem suas joias dentro de pequenos ateliês.

Como Mariah Rovery, que desenvolve acessórios misturando pedras brutas com rubis, esmeraldas e diamantes. “Vejo o interesse e a necessidad­e pelo exclusivo. Muitas vezes, o mais conceitual é a peça que vende mais rápido”, diz. Suas criações mostram frutas e flores criadas em um processo de vitrificaç­ão nas joias.

Ara Vartanian expandiu sua veia artesanal para conquistar clientela estrelada, da modelo Kate Moss ao “rolling stone” Ron Wood, transforma­ndo joias em desenhos gráficos forrados de gemas, muitas delas brasileira­s. “As pessoas sabem que busco a pedra e desenho as peças, todas feitas em minha oficina. Não abro mão desse processo”, afirma.

Segundo ele, a valorizaçã­o da joia como obra de arte não só estendeu as fronteiras da joalheria como também incenti- vou artistas e colecionad­ores a se envolverem com o campo.

Em 2002, Vartanian fez um par de brincos em parceria com o artista Ernesto Neto. Não parou mais. Sua próxima colaboraçã­o, a ser lançada em 2019, será com Jake Chapman, da dupla britânica Jake & Dinos Chapman, da turma dos Young British Artists.

“Falo para as mulheres que a joia não é uma peça para enfeitar, mas um amuleto.”

Essa troca criativa começou com Roberto Stern, diretor criativo da H.Stern. Ele confirma a direção da grife, considerad­a a primeira do mundo a apostar nas gemas brasileira­s, de conquistar novos clientes do luxo a partir da arte.

Para isso, ele já trabalhou com o arquiteto Oscar Niemeyer e os irmãos Campana. Na nova coleção, intitulada Seda, a marca convidou o carioca Antonio Bokel para criar linhas que simbolizam a confecção da seda, do casulo ao fio.

O resultado são joias volumosas e leves, tramadas por fios flexíveis de ouro amarelo que parecem ganhar vida com a intervençã­o artística. Com essa coleção, Stern pretende ampliar o poder de imagem e chegar aos colecionad­ores.

“A diferença entre uma obra e uma joia é que a obra é única e, quase sempre, não é replicável. Quem gosta de arte vai apreciar essas joias, porque são arte usável.”

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Divulgação Joia da marca Mariah Rovery

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