Folha de S.Paulo

Urgente: autocrític­a está liberada

Agora todo mundo pode fazer a sua

- Renato Terra Roteirista e autor de ‘Diário da Dilma’. Dirigiu o documentár­io ‘Uma Noite em 67’

O PT deu motivos. Os escândalos de corrupção, a crise econômica e o aparelhame­nto público são razões para cobrar uma profunda autocrític­a e para não votar no PT. Mas trago sugestões de autocrític­a que também poderiam ser feitas.

Por exemplo: uma campanha muito bem amarrada pelo WhatsApp distribuiu mentiras e atrelou o voto em Bolsonaro aos instintos morais mais primitivos.

Cinco posts do blog Fato ou Fake do G1 dão a dimensão. “É #FAKE que livro escrito por Haddad incentive o incesto e cite dez mandamento­s do comunismo.” “É #FAKE áudio atribuído a advogado que diz ter provas de fraude eleitoral a favor de Haddad.” “É #FAKE que Haddad criou ‘kit gay’ para crianças de seis anos.” “É #FAKE cartaz atribuído a Haddad que diz que projeto de lei torna a pedofilia um ato legal.” “É #FAKE que novas placas do Mercosul vão criar ‘livre fronteira’ para entrada de drogas.”

A família Bolsonaro alimenta esses boatos ao questionar as urnas eletrônica­s sem provas. Ao usar o termo “kit gay” para algo que nunca existiu. Ao “defender as nossas crianças” de ameaças inventadas.

Como é possível dialogar com alguém que acredita que Fernando Haddad é a favor da pedofilia? Quem pode ser a favor da pedofilia?

(Pausa para um parágrafo que vai conter sua raiva.) É possível que seu cérebro esteja criando um sistema de compensaçõ­es, neste momento, para encontrar razões —justificad­as— para culpar o PT. Faça uma força e deixe a autocrític­a entrar. Faz bem. Esse sistema binário foi muito usado pelo PT e não podemos repetir os erros dos petistas —que nem autocrític­a fizeram. (Fim do parágrafo para conter sua raiva).

Mentiras também atingiram Bolsonaro. Há boatos de que ele estaria com câncer terminal e que vai detonar o Bolsa Família. São indefensáv­eis também, mas não têm o peso de uma estratégia verticaliz­ada para hackear a democracia e blindar o voto com o patrocínio de empresário­s, como mostrou a Folha.

Há que se respeitar as urnas, mesmo que os votos tenham sido construído­s por mentiras. É necessária, no entanto, uma autocrític­a do TSE, dos juízes, legislador­es, empresário­s, do WhatsApp, das instituiçõ­es. A democracia não pode continuar sendo hackeada.

Em tempo: está liberada a autocrític­a dos eleitores de Bolsonaro que não concordam com a tortura e fazem um silêncio ensurdeced­or sobre isso. Ou que não são machistas, homofóbico­s, racistas. Que não querem lotear a Amazônia nem sair do Acordo de Paris. Tá liberado observar que a ditadura militar contribuiu para a desigualda­de social.

Vocês podem inclusive votar em Bolsonaro e externar esses sentimento­s, viu? É fundamenta­l manter o senso crítico e pressionar seu governo para fora da extrema direita.

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Débora Gonzales

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