Folha de S.Paulo

Bolsonaro mira miséria do NE contra PT e o lulismo

Atualizaçã­o do Bolsa Família, com incentivo à busca de trabalho, mira também eliminar último feudo do lulismo no país

- Fernando Canzian

Região onde a extrema pobreza mais cresceu e o PIB mais recuou desde a última eleição, o Nordeste deve ser o foco principal das políticas sociais de um eventual governo de Jair Bolsonaro (PSL).

Ao atacar a crise, haverá tentativa de enfrentar a vantagem que o PT e o lulismo têm na região desde 2002.

SÃO PAULO REGIÃO onde a extrema pobreza mais cresceu e o PIB retrocedeu mais desde a última eleição, o Nordeste deverá se transforma­r no foco principal das políticas sociais de um eventual governo de Jair Bolsonaro (PSL).

Além de atacar a crise em seus nove estados, que reúnem 1/4 dos eleitores, haverá tentativa de enfrentar a vantagem que o PT e o lulismo mantêm na região desde 2002.

No primeiro turno, Bolsonaro perdeu para Fernando Haddad (PT) por 26% a 51% no Nordeste. Na projeção de segundo turno do Datafolha, Bolsonaro tem 37% dos votos válidos; Haddad, 63% —Dilma Rousseff teve 71,7% na região no segundo turno em 2014.

O principal vetor para conquistar os nordestino­s no póseleição será reforçar o Bolsa Família, que chega a 6,9 milhões de famílias no Nordeste (50,7% das atendidas no país).

Além de aumentar o atual orçamento de R$ 30 bilhões do programa com o fim de incentivos fiscais para alguns setores, uma das propostas é garantir que os atendidos continuem recebendo até 75% do valor dos benefícios (R$ 188, em média) mesmo que consigam algum trabalho.

Estuda-se ainda, segundo a Folha apurou, algo até mais radical: elevar o valor pago aos que conseguire­m comprovar aumento na renda por conta própria; e mantê-los no programa até que seus ganhos pessoais ultrapasse­m um determinad­o patamar.

A ideia é que haja incentivo aos beneficiár­ios para que procurem trabalho ou que se estabeleça­m como “conta própria”, tipo de atividade que mais cresce no país.

Entre 2014 e o ano passado, o total de pessoas na extrema pobreza (renda familiar per capita até R$ 85/mês) disparou no Nordeste (ver quadro).

Em todos os estados, há mais gente na extrema pobreza do que na média nacional. Maranhão, Bahia, Piauí e Alagoas têm cerca de duas vezes mais miseráveis.

Para Adriano Pitoli, diretor da consultori­a Tendências, o Nordeste não só sofreu mais com a crise recente como terá uma recuperaçã­o lenta quando a economia se reerguer.

No “boom” dos oito anos do governo Lula e até 2014 com Dilma —período em que o PT sedimentou sua força na região—, o Nordeste cresceu mais que a média do PIB nacional. E as vendas no comércio, o dobro do PIB (8,1% ante 4%, em média).

“Isso levou ao emprego em grande escala de mão de obra pouco qualificad­a” diz Pitoli.

“Mas dificilmen­te esse padrão de consumo crescendo mais que o PIB se repetirá nos próximos anos, assim como não haverá o ‘boom’ de crédito que o sustentou.”

A crise no setor público também pegou em cheio a região. Enquanto na média do país 20% da massa de rendimento­s vêm de administra­ções públicas, ela é quase o dobro em estados como Piauí e Paraíba.

Para Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, um governo Bolsonaro procurará também, com essas ações, tentar eliminar o “último feudo” do PT no país.

“Não há dúvida de que esse projeto de poder passa pelo Nordeste e por investimen­tos públicos na região”, afirma.

Com a exceção de turismo, energias alternativ­as e agroindúst­ria em regiões específica­s, o Nordeste segue com seu desenvolvi­mento limitado.

A fidelidade que os nordestino­s demonstram a Lula e seus dois “postes” (Dilma e Haddad) nas últimas eleições, argumenta o cientista político Carlos Melo, do Insper, seria resultado do “forte pragmatism­o” dos eleitores em relação a conquistas pessoais.

“Se outro chegar e fizer mais, vai levar. O eleitor não é fiel. Ele joga sempre a favor de seus interesses”, afirma.

Para duas famílias nordestina­s de Jaboatão dos Guararapes (PE) que a Folha acompanha desde 2005, foi esse tipo de interesse que norteou o voto nesta eleição.

Em uma delas, a de Ronaldo e Sueli Dumont, todos os nove membros aptos a votar o fizeram no PT de Haddad, em quem devem repetir o voto no segundo turno.

Nos últimos 13 anos, os Dumont não só tiveram melhora significat­iva no padrão de vida por conta do Bolsa Família como, ainda hoje, 17 deles, entre mães, filhos e netos, ainda estão ligados ao benefício.

Atualmente, Ronaldo, o patriarca de 49 anos, é o único dos 23 membros da família (eles eram dez em 2005) com emprego fixo formal.

Na outra família que a reportagem acompanha, de Pedro e Micinéia Silva, não há mais nenhum beneficiár­io.

Três dos filhos que participar­am do programa no passado ultrapassa­ram a idade limite e o mais novo, Isaac, 6, com síndrome de Down, recebe um salário mínimo do INSS (assimcomoo­pai, aposentado por invalidez).

Dos quatro filhos, três estão em idade de votar. Dois ainda não tiraram o título e Alan, 18, votou em Geraldo Alckmin (PSDB). No segundo turno, ele pretende anular.

Das 39 pessoas que compõem as duas famílias, Alan, 19, é o único até agora com planos concretos de entrar na faculdade —ele concorre a uma bolsa para formação em gastronomi­a.

Alan diz que não vota em Haddad porque “o PT roubou” nem em Bolsonaro, por “só querer armar as pessoas”.

Mas na comunidade do Suvaco da Cobra, onde as duas famílias vivem, é grande a expectativ­a em torno do capitão reformado, apesar de muitos considerar­em os anos Lula como os melhores de suas vidas.

Para Alexandre Rands, economista da Datamétric­a, do Recife, caso um governo Bolsonaro confirme, na economia real, o otimismo que o mercado financeiro tem demonstrad­o, suas chances de tornar-se bastante popular no Nordeste —em detrimento do lulismo— são consideráv­eis.

Rands aposta que, no segundo turno, Bolsonaro ampliará sua vantagem na região, sobretudo nos estados onde a eleição para governador já foi liquidada no primeiro turno.

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Fotos Bruno Santos/Folhapress A família pernambuca­na de Ronaldo e Sueli Dumont (no centro) aumentou de 10 para 23 membros nos últimos 13 anos e segue muito dependente do Bolsa Família; nesta eleição, os nove membros aptos a votar o fizeram em Fernando Haddad e devem escolhê-lo novamente no segundo turno
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Na família Silva, Alan, 18 (à esq.), que tenta entrar na faculdade, votou em Geraldo Alckmin e agora deve anular; os pais apoiam o PT
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