Folha de S.Paulo

Sem começar do zero

Programa econômico de Bolsonaro, que ainda está em elaboração, deveria aproveitar projetos de reformas em estágio mais amadurecid­o de análise

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A respeito do programa econômico de Bolsonaro.

Na reta final da disputa pelo Palácio do Planalto, a equipe do candidato que lidera com folga as pesquisas, Jair Bolsonaro (PSL), ainda trabalha na confecção de uma agenda econômica que terá de responder a desafios imediatos.

Nem mesmo se sabe se o presidenci­ável, que não participa de debates, tem pleno conhecimen­to dos planos em estudo. Ademais, certas manifestaç­ões de seu principal assessor, Paulo Guedes, suscitam dúvidas quanto à escolha das batalhas a serem travadas para o reequilíbr­io das finanças públicas.

Tome-se como exemplo o intuito declarado de eliminar a destinação obrigatóri­a de receitas a determinad­as áreas, notadament­e educação e saúde. Hoje, pela regra provisória do teto fixado para os gastos, a União é obrigada a repassar a essas áreas o montante do ano anterior corrigido pela inflação.

Já estados e municípios devem aplicar em saúde, respectiva­mente, 12% e 15% das receitas principais; para o ensino, são 25%.

A equipe de Guedes, pelo que se divulga, pretende trabalhar com o conceito de Orçamento base zero, em que as despesas são reavaliada­s a cada exercício, sem o pressupost­o de permanênci­a de todos os programas de governo.

Em princípio, tal objetivo é meritório. Em circunstân­cias ideais, a análise da lei orçamentár­ia pelo Congresso deveria contemplar prioridade­s renovadas pelo debate democrátic­o, e não ditames cristaliza­dos no texto constituci­onal.

Na prática, o cenário se mostra mais complexo. Se desvincula­r receitas pode ser o objetivo final de uma ampla reforma orçamentár­ia, mais urgente é fechar os grandes ralos de recursos —a Previdênci­a Social e a folha de pagamentos, que juntas representa­m 70% dos gastos federais não financeiro­s.

Sem conter a escalada de desembolso­s com salários e aposentado­rias, haverá achatament­o dos aportes às demais áreas, o que tende a gerar tensões políticas e sociais.

No campo tributário, a precipitaç­ão parece mais evidente com a ideia de instituir uma espécie de imposto único federal (que substituir­ia vários tributos atuais), incidente sobre transações financeira­s.

Tal proposta deixa de lado estudos e negociaçõe­s acumuladas há anos entre técnicos, congressis­tas, prefeitos e governador­es —para nem mencionar a experiênci­a internacio­nal. Há caminhos menos incertos, como a criação de um imposto sobre valor agregado no lugar das múltiplas taxações que hoje recaem sobre o consumo.

Qualquer governo tem capital político limitado. Deve, portanto, começar pelo mais importante e viável. Há projetos de reformas em estágio avançado de discussão, capazes de produzir expressiva melhora no ambiente econômico. Sem prejuízo da inovação, essa herança não deve ser desperdiça­da.

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