Folha de S.Paulo

Perto do dia do voto, está à solta o chato eleitoral

Conversar sobre política exige um mínimo de intimidade, alguma educação e, acima de tudo, um propósito

- Elio Gaspari

Faltando pouco para o segundo turno, está à solta o chato eleitoral. É um personagem que tenta transforma­r qualquer conversa em discussão política para defender seu candidato. Assim como sempre haverá gente que enfia o dedo no nariz, não há como evitar que ele exista. Pode-se limitar o alcance de sua chateação cortando-se polidament­e o assunto. O general Alfredo Malan tinha uma fórmula: “Política e jogo de cartas me dão sono”. (Não era verdade, mas funcionava.)

Há dois tipos de chatos eleitorais.

O primeiro, benigno, é o militante. Ele supõe que sua palavra iluminada pode conseguir um voto para seu candidato. Esse chato pode ser neutraliza­do com uma simples mudança de assunto. O melhor remédio é deixá-lo falar o tempo que quiser. Interrompê-lo será estimulá-lo.

O segundo chato eleitoral, maligno, quer vender seu candidato, mas há nele algum tipo de inseguranç­a. Fez sua escolha mas busca apoio, cumplicida­de.

Esse é o tipo mais desagradáv­el e perigoso, porque precisa de uma discussão. Afinal, só assim poderá se convencer que fará o certo, pois mais gente decidiu como ele. Quanto mais corda recebe, mas enfático ou radical se torna. Nesse caso o culpado pela chateação será quem lhe deu corda. (Trocar ideias com um eleitor de Bolsonaro tem uma complicaçã­o exclusiva, pois o candidato não quer debater as suas.)

Se nenhum recurso der certo, pode-se recorrer ao truque do deputado Temperani Pereira. Depois de ouvir uma exposição de um colega ele lhe disse:

“Sua opinião me deixa incorrobúv­el e imbafefe”.

Depois comentou: “Quero ver ele achar essas palavras no dicionário”.

Medo mútuo

O pior sinal do tamanho do ódio e do medo que se espalharam pela política pode ser comprovado nas ruas. Não há carros com adesivos dos candidatos.

Olga Benário

Chegou ao mercado um lote de uma centena de cartas de Olga Benário, a mulher de Luís Carlos Prestes. Há algumas fechadas, outras lhe eram endereçada­s e muitas que teriam sido manuscrita­s por ela.

Olga foi presa com Prestes em 1936. Meses depois Getúlio Vargas deportou-a para a Alemanha. Grávida, ela teve um pedido de habeas corpus negado pelo Supremo Tribunal Federal. Em 1942, Olga foi mandada para a câmara de gás no campo de Bernburg.

Retrovisor

Diante do desempenho do empresário Romeu Zema na disputa do pelo governo de Minas fica uma pergunta inútil para quem está assustado com a situação do Rio de Janeiro.

O que aconteceri­a se o partido Novo tivesse lançado o economista Gustavo Franco e se ele topasse disputar o palácio Guanabara?

O ex-presidente do Banco Central deixou o PSDB e filiou-se ao Novo quando ele era apenas uma ideia.

Generalôme­tro

Como os generais voltaram ao noticiário, vale a pena usar um filtro para medir o peso de suas opiniões junto à tropa.

As posições de generais que estão na reserva geralmente valem pouco. Muitas vezes, nada.

Generais da ativa, quando falam, é bom prestar atenção.

É difícil, mas deve-se ouvir sobretudo o silêncio dos generais da ativa que não falam.

1968, 1978

Faltou sorte a Jair Bolsonaro na quinta-feira, dia 11, quando ele disse numa entrevista que seu objetivo é trabalhar para criar um “Brasil semelhante àquele que tínhamos 40, 50 anos atrás”.

Há 50 anos, no mesmo dia 11 de outubro, no Superior Tribunal Militar, o general Pery Bevilaqua votou pela concessão de um habeas corpus para o estudante Honestino Guimarães. Ele sustentava que juízes militares não deviam julgar atos políticos de civis e disse o seguinte:

“Quando a política entra por uma porta do quartel, a disciplina sai pela outra —tal desvirtuam­ento da finalidade das Forças Armadas (...) está compromete­ndo seriamente a disciplina”.

A anarquia militar prevaleceu em 1968, e o general Pery foi tirado do STM. Honestino desaparece­u em 1971. Em 1978, o general lançou o Comitê Brasileiro pela Anistia.

Moro se explica

Pode-se fazer tudo pelo juiz Sergio Moro, menos papel de bobo.

Explicando ao Conselho Nacional de Justiça por que divulgou um petisco da colaboraçã­o do ex-comissário Antônio Palocci seis dias antes do primeiro turno, ele ofereceu três pérolas.

Numa disse que “o conteúdo do depoimento sequer se revestiu de grande novidade”. Tem toda a razão.

Noutra informou que “caso fosse intenção influencia­r nas eleições teria divulgado a gravação o vídeo do depoimento, muito mais contundent­e do que as declaraçõe­s escritas e que seria muito mais amplamente aproveitad­a para divulgação na imprensa televisiva ou na rede mundial de computador­es”. Se não havia o propósito, resta saber qual a intenção dessa frase a esta altura do campeonato, mesmo sabendo-se que as malfeitori­as do detento Palocci são notórias.

Na terceira, informou: “Não foi, ademais, o Juízo quem inventou o depoimento de Antônio Palocci Filho ou os fatos nele descritos”. Ainda bem.

Duas joias

Chegaram à livrarias americanas dois grandes livros. Um é “Capitalism in America”, de Alan Greenspan, o famoso expresiden­te do Fed, em parceria com o jornalista Adrian Wooldridge. O outro é “These Truths” (“Essas Verdades”), da professora Jill Lepore, de Harvard.

Ambos contam a história dos Estados Unidos, de Cristóvão Colombo a Donald Trump. Greenspan e Wooldridge produziram uma monumental descrição do que vem a ser a “destruição criadora” do capitalism­o americano. Lidam com estatístic­as com a clareza dos santos. Uma frase que só Greenspan poderia assinar, vale o livro. Referindo-se a Alexander Hamilton, o formulador das bases da economia americana diz seguinte: “Ele era um gênio nato do calibre de Mozart e Bach”.

“Capitalism in America” é uma cantata à construção (e destruição) do andar de cima. “These Truths”, da professora Lepore, conta a mesma história, olhando para o andar de baixo, com os pobres, os negros, os índios e as mulheres.

Os dois livros têm desfechos semelhante­s.

Greenspan e Wooldridge: “Donald Trump é a coisa mais próxima de um populista latino-americano produzida nos Estados Unidos”.

Lepore: “A eleição de Trump trouxe uma onda. Vários comentaris­tas anunciaram o fim da República. A retórica de Trump foi apocalípti­ca e absoluta”.

Muita gente do “mercado” deveria ler pelo menos o livro de Greenspan. Ele diz: “No Brasil neofeudal, o governo deu imensos pedaços de terra aos grandes proprietár­ios. Na América capitalist­a, ele deu terras às pessoas comuns, com a condição de que irrigassem o solo com seu trabalho”.

Pisque para Neil

Está nos cinemas e nas livrarias “O Primeiro Homem”, com a história do piloto Neil Armstrong, o americano que pisou na Lua em 1969. Grande sujeito, exemplo das virtudes do homem simples. Foi uma celebridad­e modesta e fria. Pouco antes de seguir viagem, um jornalista perguntou-lhe o que gostaria de levar para a Lua. “Mais combustíve­l”, respondeu.

Quando ele morreu, em 2012 aos 82 anos, sua família pediu: “Quando você sair à noite, vendo a Lua sorrir, pense em Neil Armstrong e mande-lhe uma piscadela”.

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Juliana Freire

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