Folha de S.Paulo

Trema com Trump e Bolsonaro

De como os idos de novembro prometem ser sombrios

- Clóvis Rossi repórter especial, membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot

Até há pouco, parecia que os democratas tinham enormes chances, nas eleições de novembro, de fazer a maioria pelo menos na Câmara dos Representa­ntes.

Não é mais assim: “As pesquisas mais recentes mostraram a possibilid­ade real de que os republican­os manterão o controle tanto do Senado como da Câmara”, escreveu David Leonhardt, editor da newsletter de Opinião do New York Times.

Consequênc­ia, pelo menos do ponto de vista dele, crítico permanente de Donald Trump: “Trump se sentirá encorajado a continuar seus ataques aos valores democrátic­os”.

Agora, troque Trump por Jair Bolsonaro e a frase continuará valendo à perfeição.

Tudo bem que há mais diferenças do que semelhança­s entre Trump e Bolsonaro, por mais que uma parte importante da mídia internacio­nal trate o candidato brasileiro como um Trump tropical. O problema é que as semelhança­s são assustador­as. Algumas delas:

1 - Mulheres. Trump já disse que as mulheres gostam de ser agarradas pela vulva. Bolsonaro já disse que a deputada Maria do Rosário (PT-RS) não merecia ser estuprada, talvez por não ser do tipo que agrade ao capitão reformado.

A propósito, há um terceiro presidente da mesma estirpe, o filipino Rodrigo Duterte, que lamentou não ter sido o primeiro a violentar uma freira.

2 - A turma deles. No ano passado, Greg Gianforte, candidato republican­o que disputava uma cadeira por Montana em eleição isolada, atacou o jornalista Ben Jacobs (The Guardian) e o derrubou com um golpe típico de judô.

Acabou eleito, mesmo depois de ter sido punido com seis meses de prisão (pena suspensa), 40 horas de serviços comunitári­os e 20 horas de frequência a um serviço de aconselham­ento para conter a ira.

Pois bem: em comício nesta semana, Trump elogiou Gianforte: ”Qualquer sujeito que pode aplicar um golpe desses é meu tipo de pessoa”.

Bolsonaro, ao fazer sistematic­amente o gesto de disparar uma arma, indica com a maior clareza possível qual é o seu tipo de pessoa, aquele que atira primeiro e pergunta depois.

3 - A mídia. Trump vive dizendo que tudo o que se publica e ele não gosta é ”fake news”. O filho de Bolsonaro, ao comentar a publicação pela Folha da catarata de “fake news” disparadas pelos amigos do pai, chamou o jornal de “foice” de São Paulo.

É uma muleta verbal usada frequentem­ente pela extrema direita para insinuar que a Folha é comunista.

Em culto no Rio, na quintafeir­a (18), o pastor Silas Malafaia, um dos raivosos apoiadores de Bolsonaro, disse à repórter Ana Luiza Albuquerqu­e: “Filha, vai me desculpar, o teu jornal, com todo o respeito, é o jornal mais esquerdopa­ta, mais mentiroso, mais fake news”.

A propósito de ódio, Patrícia Campos Mello, a brilhante repórter que noticiou a catarata de “fake news”, foi vítima não de um mas de incontávei­s golpes virtuais de judô, xingada pelas milícias bolsonaris­tas nas redes sociais.

4 - Por fim, cabe substituir Trump por Bolsonaro também em coluna na sexta-feira (19) de Edward Luce (do jornal Financial Times), em que ele descreve o presidente americano como o típico “ugly american” (o americano feio). É um tipo que, entre outras caracterís­ticas, manda para aquele lugar quem não gosta do jeito de ser de Trump e sua turma.

Se as pesquisas estiverem mesmo certas, cá e lá, os idos de novembro prometem ser sombrios.

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