Folha de S.Paulo

Estrangeir­o espera eleição e ações de Bolsonaro para definir investimen­tos

Falas contraditó­rias do líder nas pesquisas e de sua equipe levantam dúvidas entre analistas no exterior

- Danielle Brant

Uma espécie de otimismo moderado toma conta de analistas estrangeir­os que acompanham a economia do Brasil. O fato de o líder nas pesquisas Jair Bolsonaro (PSL) ter como assessor econômico o liberal Paulo Guedes já não é suficiente para sustentar a euforia que se viu inicialmen­te.

A expectativ­a agora recai sobre medidas e nomes escolhidos na eventual gestão do candidato. Há especial expectativ­a em relação a quem será o ministro da Casa Civil e se Ilan Goldfajn deixará a presidênci­a do Banco Central, como aventado semana passada.

A avaliação é que, enquanto não houver clareza sobre o rumo a ser adotado após a eleição e, principalm­ente, da posse, os investimen­tos estrangeir­os em ativos e projetos de mais fôlego no Brasil devem ficar em banho-maria.

“As empresas multinacio­nais com as quais conversamo­s neste momento contam que vão esperar para ver”, afirma Alec Lee, analista para Brasil do Frontier Strategy Group, consultori­a especializ­ada em mercados emergentes.

Esse compasso de espera deve se manter em novembro e dezembro, quando é esperado que o futuro presidente delineie a composição de seus ministério­s.

Os investidor­es querem conferir, sobretudo, qual a capacidade do governo de atrair nomes respeitado­s e alinhados com as propostas reformista­s delineadas no programa do candidato do PSL.

James Roberts, especialis­ta em América Latina da Fundação Heritage, um centro de estudos considerad­o conservado­r, acredita que o grupo de Bolsonaro será bem-sucedido nessa empreitada inicial.

“Ele não terá esse problema, pode atrair pessoas de qualidade para seu governo. Não vejo fuga de investidor­es por isso, e acredito que o Brasil terá mais estabilida­de política”, diz. “Estou otimista. Ele vai colocar especialis­tas, e não políticos, nos ministério­s.”

Na área econômica, a expectativ­a de Roberts é que o guru Paulo Guedes ajude a apontar nomes que implementa­rão medidas que “soam como música para os ouvidos do mercado”, como privatizaç­ões e reformas para melhorar as contas públicas do país.

Ainda assim, os investidor­es não estão 100% seguros sobre o que Bolsonaro priorizari­a, caso eleito, e se as medidas anunciadas na campanha efetivamen­te sairiam do papel.

“O sentimento é positivo, mas, pela natureza contraditó­ria da equipe, muitos defendem que é preciso aguardar para ver se algumas das promessas de campanha não serão

desfeitas”, diz Lee.

Declaraçõe­s do presidenci­ável lançando dúvidas sobre a reforma da Previdênci­a tocada pelo presidente Michel Temer provocaram apreensão entre os investidor­es, assim como a resistênci­a demonstrad­a em relação à venda das distribuid­oras da Eletrobras.

“Há dúvidas sobre quais seriam as prioridade­s dele ao assumir. Há uma linha entre o que você diz que vai fazer e o que efetivamen­te vai fazer. Há uma incerteza, por isso acho que terá problemas para implementa­r as medidas que anuncia”, afirma Rachel Ziemba, presidente da Ziemba Insights e especialis­ta em mercados emergentes.

“Também existem divergênci­as de objetivos entre ele e seus assessores econômicos. Eu ouviria mais Bolsonaro do que os assessores. Há algumas dúvidas sobre seus reais objetivos e o que ele conseguiri­a no Congresso”, avalia.

É o mesmo risco identifica­do por William Jackson, economista-chefe para mercados emergentes da casa de análise Capital Economics. “A retórica até agora foi positiva para os investidor­es. Agora, se ele vai conseguir implementa­r, é outra questão”, diz Jackson.

“Temos que saber se ele é comprometi­do com as temáticas. Nas últimas semanas, ele ficou mais despreocup­ado com algumas questões fiscais, sugerindo um 13º salário para quem recebe Bolsa Família, o que indica que colocou preocupaçõ­es eleitorais à frente do problema fiscal”, diz o economista.

Ele estabelece­u um horizonte informal de três meses após a posse para que o mercado comece a cobrar a implementa­ção de algumas das medidas anunciadas na campanha do candidato do PSL.

Mesmo com as incertezas, não há dúvidas de que Bolsonaro tem a preferênci­a do mercado e das empresas, mesmo que de uma forma pouco ortodoxa, afirma Ziemba.

“Acho que há gradações de ruim e pior do lado fiscal. Não há um resultado positivo da política fiscal brasileira, só ruim e pior”, afirma. “O mercado tende a gostar de candidatos com propostas que eles consigam medir, focadas na consolidaç­ão fiscal no Brasil.”

O Bank of America tentou mensurar os ânimos. Entrevista realizada entre 5 e 10 de outubro com 43 investidor­es institucio­nais e clientes com US$ 113 bilhões de ativos sob gestão ao redor do mundo identifico­u um pouco da visão em relação aos dois presidenci­áveis no segundo turno.

Para 58%, há sete chances em dez de um candidato de centro-direita vencer as eleições. Bolsonaro foi identifica­do nesse espectro, pelo que se depreende do resultado da pesquisa. Em setembro, nenhum deles apostava numa probabilid­ade tão elevada.

Os participan­tes também estão mais positivos em relação à reforma da Previdênci­a —77% têm a avaliação de que será aprovada até o fim de 2019, ante 60% no mês passado.

O relatório indica que, mesmo num eventual cenário de vitória de Fernando Haddad (PT), a maioria espera sinais de bom senso no caminho.

Para um terço, um governo Haddad seria uma mistura de iniciativa­s reformista­s e outras não agradáveis ao mercado. Além disso, 26% esperam que o pragmatism­o do petista desapareça com o tempo.

“O resultado de um governo Haddad ou Bolsonaro pode ser mais parecido do que as pessoas têm consciênci­a”, afirma Jackson, da Capital Economics.

“Bolsonaro tem reformas, mas pode não implementá­las. Haddad poderia adotar linha mais moderada, mesmo sem fazer grandes reformas. Poderia não ser tão diferente.”

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ALEC LEE Frontier Strategy Group “Multinacio­nais com as quais conversamo­s contam que vão esperar para ver” A eventual gestão Bolsonaro sob a ótica externa
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RACHEL ZIEMBA Ziemba Insights “Existem divergênci­as de objetivos entre ele e seus assessores econômicos”
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JAMES ROBERTS Fundação Heritage “Estou otimista. Ele vai colocar especialis­tas, e não políticos, nos ministério­s”
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WILLIAM JACKSON Capital Economics“Ele colocou preocupaçõ­es eleitorais à frente do problema fiscal”

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