Folha de S.Paulo

Como Paul Allen mudou a vida de Bill Gates

Empresário narra momento em que graças ao sócio abandonou a carreira acadêmica e deu início com ele à Microsoft

- The Wall Street Journal, traduzido do inglês por Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Bill Gates Cofundador da Microsoft com Paul Allen, é copresiden­te da Fundação Bill & Melinda Gates

Conheci Paul Allen quando eu estava na sétima série, e minha vida mudou. Eu o vi com admiração imediata.

Ele estava dois anos à minha frente na escola, era realmente alto e mostrou ser um gênio com os computador­es. (Mais tarde ele também teve uma barba muito bacana, do tipo que eu nunca consegui ter.)

Nós nos unimos pelo telex que as mães de alguns alunos tinham comprado para a escola e conectado a um computador remoto.

Algum tempo depois, passávamos quase todas as nossas horas livres mexendo com qualquer máquina que pudéssemos conseguir.

Em uma idade em que outros garotos escapavam de casa para ir a festas, Paul e eu saíamos à noite para usar os computador­es do laboratóri­o da Universida­de de Washington.

Parece careta, e era, mas foi uma experiênci­a formadora, e não tenho certeza se eu teria coragem de fazê-la sem Paul.

Sei que teria sido muito menos divertida. (“Emprestar” tempo no computador ilicitamen­te se tornaria uma espécie de tema para nós. Mais tarde, quando eu era aluno de Harvard, tive problemas por deixar Paul usar o laboratóri­o de computação do campus sem permissão.)

Já no colégio, antes que a maioria das pessoas soubesse o que era um computador pessoal, Paul previu que os processado­res ficariam superpoder­osos e acabariam dando origem a toda uma nova indústria.

Muita gente não sabe que a Microsoft não foi o primeiro projeto que fizemos juntos. Foi algo que chamamos de Traf-O-Data, uma máquina para analisar a informação obtida por monitores de tráfego nas ruas da cidade.

Achamos que seria uma ótima demonstraç­ão do poder desses novos dispositiv­os. Montamos um protótipo funcional e imaginamos que o venderíamo­s por todo o país. Mas ninguém quis comprar as máquinas, e tivemos de recuar.

Decidimos começar nosso empreendim­ento seguinte, mais bem-sucedido, em dezembro de 1974. Paul e eu morávamos em Boston —ele trabalhava e eu fazia faculdade.

Um dia ele veio me buscar e insistiu para que corrêssemo­s até uma banca de revistas.

Quando chegamos, ele me mostrou a capa da Popular Electronic­s. Mostrava um computador chamado Altair 8800, que funcionava com um novo chip potente. Paul olhou para mim e disse: “Isto está acontecend­o sem nós!”.

Aquele momento marcou o fim de minha carreira universitá­ria e o início de nossa nova empresa, a Microsoft.

Naquele tempo, os processado­res eram tão limitados que você não podia fazer o que é chamado de “desenvolvi­mento nativo” —você não podia usar uma máquina com aquele chip enquanto desenvolvi­a software para ela.

Isso tornava realmente desafiador criar código para esses processado­res.

Paul teve uma ótima ideia: escrever um pouco de código que nos permitiria emular aqueles chips em um computador mais potente, depois transportá-lo à máquina com o chip menos potente.

Essa novidade foi importante para grande parte do sucesso inicial da Microsoft, e Paul merece crédito por ela.

Paul tinha uma mente de longo alcance e um talento especial para explicar assuntos complexos de uma maneira simples.

Como adulto, ele seguiu um enorme espectro de interesses, incluindo artes, conservaçã­o ambiental e inteligênc­ia artificial. Queria impedir a caça aos elefantes, promover cidades inteligent­es e acelerar a pesquisa do cérebro.

Como eu tive a sorte de conhecê-lo desde muito jovem, vi isso antes do resto do mundo.

Certa vez, quando eu era adolescent­e, fiquei curioso sobre a gasolina (nada menos). O que significav­a “refino”?

Recorri à pessoa mais informada que eu conhecia. Paul explicou tudo de maneira muito clara e interessan­te. Foi apenas uma das muitas conversas esclareced­oras que teríamos nas décadas seguintes.

Paul era mais moderno do que eu. Ele realmente gostava de Jimi Hendrix, e me lembro dele tocando “Are You Experience­d?” para mim.

Eu não tinha muita experiênci­a praticamen­te em nada naquela época, e Paul quis compartilh­ar aquela música incrível comigo. É o tipo de pessoa que ele era. Ele amava a vida e as pessoas ao seu redor, e isso se via.

Sua generosida­de era tão ampla quanto seus interesses.

Em nossa cidade natal, Seattle, Paul ajudou a financiar abrigos para sem-teto, pesquisa do cérebro e educação artística. Ele também construiu o incrível Museu da Cultura Pop, que abriga parte de sua enorme coleção de música, ficção científica e objetos ligados ao cinema.

Quando penso em Paul, lembro-me de um homem apaixonado que adorava sua família e seus amigos. Também me lembro de um tecnólogo brilhante e um filantropo que queria realizar grandes coisas, e fez isso.

Paul merecia mais tempo na vida. Ele a teria aproveitad­o ao máximo. Vou sentir uma falta tremenda dele.

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 ?? Anthony P. Bolante/ Reuters ?? Na primeira foto, Bill Gates (à esq.) e Paul Allen (à dir.) durante partida de basquete da NBA, em 2003, em Seattle; ao lado, dupla recria foto feita em 1981; Allen, cofundador da Microsoft, morreu na semana passada
Anthony P. Bolante/ Reuters Na primeira foto, Bill Gates (à esq.) e Paul Allen (à dir.) durante partida de basquete da NBA, em 2003, em Seattle; ao lado, dupla recria foto feita em 1981; Allen, cofundador da Microsoft, morreu na semana passada

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