Folha de S.Paulo

É possível elevar fatia da energia limpa sem custo maior, diz estudo

Sistema, porém, só é eficaz se combinar de maneira ideal diversas fontes energética­s

- Vinicius Torres Freire

Imagine-se que se possa produzir energia elétrica a custo baixo de investimen­to e de operação do gerador, da “fábrica”, de eletricida­de. Suponha-se que essa fonte seja renovável e limpa. Parece óbvio que o Brasil deveria investir seus recursos na produção de energia por esses meios, certo?

Não necessaria­mente. É preciso fazer contas mais complexas. Ainda assim, parece possível aumentar em muito a participaç­ão de energias limpas e renováveis no total da capacidade de produção de eletricida­de, indica estudo produzido pela empresa de consultori­a PSR encomendad­o pelo Instituto Escolhas.

O trabalho, “Custos e Benefícios das Fontes de Geração Elétrica”, foi apresentad­o e debatido em seminário realizado pela Folha, com patrocínio do Instituto Escolhas, no auditório do jornal, na sexta-feira (19), em São Paulo.

Mas por que não é tão simples recorrer logo a fontes mais limpas e baratas? Suponha-se a hipótese extrema de a geração de energia ser baseada apenas em ventos. O que fazer nas temporadas de calmaria? O alerta óbvio vale para outra fonte limpa e intermiten­te, como a solar.

Se contamos com hidrelétri­cas, o problema não está resolvido? Em parte, pois podem ocorrer secas e, pois, baixas nos reservatór­ios da água que move as turbinas.

Além do mais, pode haver ainda altas súbitas de consumo, que não seriam atendidas pelas usinas hidrelétri­cas, eólicas ou solares.

Então, é prudente dispor de geradores gigantes, as termelétri­cas movidas a carvão ou a derivados de petróleo, de energia dita suja e cara, por serem utilizadas apenas em momentos esporádico­s.

O Instituto Escolhas, um centro privado de pesquisas, encomendou um estudo com objetivo de avaliar os custos reais das diversas fontes de energia no país.

Ou melhor, custos e benefícios dos diferentes tipos de “fábricas” de eletricida­de que vão constituir a indústria de energia no Brasil até 2026, segundo projeções oficiais.

As estimativa­s indicam que, sim, se pode aumentar a participaç­ão de fontes renováveis (sol, vento, biomassa) na matriz elétrica brasileira sem que isso eleve os custos de maneira significat­iva.

Segundo o estudo, em 2035, o Brasil pode ter aumentado em 68% a participaç­ão de renováveis em sua matriz elétrica, em relação ao previsto oficialmen­te no Plano Decenal de Energia 2026, que chegariam a representa­r 44% da matriz (capacidade total de produção de energia).

O estudo do Instituto Escolhas e da consultori­a PSR coloca em números mais precisos, de modo inédito, algumas ideias intuitivas, vagas, sobre os custos escondidos ou, melhor, não explicitad­os da energia hidrelétri­ca, eólica, solar ou produzida por geradores movidos a combustíve­is fósseis ou biomassa.

Mostrou de modo sistemátic­o como vantagens e desvantage­ns de cada fonte energética não podem ser estimadas de modo separado, para cada uma das fontes, isoladamen­te.

Biomassa e eólica estão entre as mais baratas

Uma das eletricida­des mais baratas vem dos geradores que utilizam biomassa no Sudeste (de restos de cana-deaçúcar, por exemplo), segundo o estudo. A seguir, vem a energia eólica do Nordeste. Veja no quadro ao lado valores para as diversas fontes.

Mas, como alertam os autores do trabalho, um corpo alimentado apenas de pão não vai parar em pé por muito tempo. Precisa de proteínas, mais caras.

A energia de maior custo seria a produzida por geradores movidos a gás natural (um dos tipos de termelétri­cas). Em suma, como escrevem os autores, “nem todo megawatt-hora é economicam­ente igual”.

A fim de calcular os custos, considerad­a a operação conjunta do sistema, com suas partes necessária­s e complement­ares, os autores do estudo levaram em conta as caracterís­ticas de cada tipo de geração de eletricida­de, chamados de “atributos”.

Até 2013, a fim de contratar

A grande preocupaçã­o do setor elétrico depois de 2001 era suprir a demanda independen­temente do custo. Mas, agora, as tarifas subiram tanto que há, finalmente, uma reação da sociedade Elena Landau, economista e advogada sócia do Sergio Bermudes Advogados

No Brasil, há uma série de isenções e subsídios escondidos em diversos setores. O estudo trouxe mais transparên­cia e mostrou como isso pode potencialm­ente distorcer a precificaç­ão Lavinia Hollanda, diretora-executiva da Escopo Energia

É preciso precificar escolhas do modelo energético de forma racional, senão cada área dirá que o seu é melhor. O problema é que na outra ponta tem uma padaria que demitiu um padeiro porque o custo da energia subiu Paulo Pedrosa, ex-secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia

O estudo determinou quais são alguns dos custos mais importante­s. De posse dessas informaçõe­s, é possível elaborar nova estratégia de planejar ou contratar a energia no futuro

O setor elétrico é um dos mais arrogantes. Achamos que somos autossufic­ientes, mas não somos. Temos dificuldad­e para perceber a necessidad­e de mudanças. No momento, precisamos nos aproximar do sistema financeiro Mario Menel, presidente do Fórum das Associaçõe­s do Setor Elétrico

a construção de novas unidades de geração de energia levavam-se em consideraç­ão apenas preço e quantidade oferecida por cada empreendim­ento, contratado­s em leilão de menor custo.

A partir daquele ano, passou a haver leilões separados por fontes: seria possível contratar energia de uma fonte desejada, mesmo que o seu preço fosse maior.

Por trás dessa mudança, estava a ideia implícita de que cada tipo de fonte de energia tem desvantage­ns e vantagens, como menor impacto ambiental, que não são considerad­os nos custos e preços (chamados externalid­ades).

No entanto, não havia metodologi­a para dar valor a esses atributos nem para definir quanto de energia de cada fonte energética seria recomendáv­el contratar.

O estudo procurou determinar quais são alguns desses custos mais importante­s. De posse dessas informaçõe­s, é possível elaborar uma nova estratégia de planejar ou contratar a energia no futuro.

Os custos maiores e mais óbvios são o de construção (investimen­to) e operação das diferentes “fábricas” de eletricida­de previstas no plano oficial de expansão do setor elétrico até 2026 (Plano Decenal de Energia).

A seguir, há custos como os serviços prestados pelo gerador, além do fornecimen­to regular de energia (como a estabilida­de e a capacidade de aumentar a oferta em momentos excepciona­is).

Menos evidentes, há diversos custos de infraestru­tura (além de redes de transmissã­o, os “canos” da eletricida­de, o sistema tem requisitos técnicos, de engenharia, para funcionar de modo adequado, mais ou menos bancados por cada tipo de gerador de energia para o sistema elétrico inteiro).

Os geradores podem contar ainda com vantagens ou incentivos, tais como subsídios (parte de seu custo é pago por outros geradores, consumidor­es ou contribuin­tes), redução de impostos ou financiame­nto a taxas de juros menores que as de mercado.

Por fim, há custos não explicitad­os como os ambientais ou sociais (no estudo, foi considerad­o apenas o custo decorrido da produção de gases de efeito estufa).

Isto posto, esse sistema melhorado tem de considerar os objetivos de: 1) minimizar preços para os consumidor­es; 2) evitar racionamen­tos (confiabili­dade); 3) evitar falhas catastrófi­cas de fornecimen­to (robustez); 4) satisfazer políticas públicas, como o plano de reduzir a emissão de gases de efeito estufa.

Queríamos criar ferramenta­s que permitisse­m que o debate fosse feito de maneira racional. Agora, temos os instrument­os para responder de maneira adequada sobre o que acontece quando se constrói uma usina elétrica Mário Veiga, presidente da PSR

Caso haja uma fonte de energia de custo mais baixo que as outras, não se deve apostar apenas nela. Se expandirmo­s só a eólica, ela fica cara para o sistema porque deixa de utilizar outras fontes complement­ares Bernardo Bezerra, diretor técnico da consultori­a PSR

O Brasil só não tem problemas de demanda e produção de energia porque está crescendo pouco. Se o mercado estivesse aquecido, teria. É uma questão urgente, mas vemos um debate eleitoral desconecta­do dessa realidade Zeina Latif, economista-chefe na XP Investimen­tos

A ideia de olhar o todo é o começo para fazer política pública no Brasil. Ainda não sabemos fazer isso. É preciso olhar dessa forma o custo da eletricida­de para escolher as melhores fontes Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal

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 ?? Fotos Reinaldo Canato/ Folhapress ?? Mesa de debates do seminário Segurança e Sustentabi­lidade da Matriz Elétrica Brasileira, no auditório da Folha, em São Paulo
Fotos Reinaldo Canato/ Folhapress Mesa de debates do seminário Segurança e Sustentabi­lidade da Matriz Elétrica Brasileira, no auditório da Folha, em São Paulo
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