Folha de S.Paulo

Inspiração e expiração

A evolução do futebol mundial é unir em um mesmo jogo estilos diferentes

- Tostão Cronista esportivo, participou como jogador das Copas de 1966 e 1970. É formado em medicina

O Cruzeiro, hexacampeã­o da Copa do Brasil, merecidame­nte, é um exemplo de que tão ou mais importante que o tipo de estratégia usada pelo treinador é a eficiência na execução do que foi planejado.

Não basta ter boas ideias. É preciso saber fazer.

Pode-se e deve-se questionar a maneira de jogar do Cruzeiro, pois há vários modos de vencer, às vezes, de maneira mais agradável. Mas é inquestion­ável a organizaçã­o da equipe, especialme­nte em jogos mata-mata.

Uma antiga máxima do futebol é a de que os jogadores devem ser escalados nas posições e funções, de acordo com suas caracterís­ticas.

Mano Menezes foi além. Ao ver que o substituto imediato de Egídio era fraco e que, sem Arrascaeta, o time não teria um bom reserva para os três meias que correm muito e se cansam, improvisou, acertadame­nte, Romero na lateral esquerda e trouxe Arrascaeta do Japão, após viajar por 24 horas, para colocá-lo no momento certo.

Eu, que não me iludo nem me entusiasmo com os exagerados elogios aos técnicos nas vitórias e com as duras críticas nas derrotas, como se as atuações e os resultados dependesse­m sempre de suas condutas, reconheço que a experiênci­a, a qualidade e o longo tempo de trabalho de Mano Menezes foram importantí­ssimos para a conquista do título.

Dedé é o melhor zagueiro que atua no Brasil. Forma com Léo, também muito bom, a mais eficiente zaga do país. Dedé tem a técnica e a força física dos grandes zagueiros. Falta a ele melhorar o passe e diminuir o número de chutões.

Nas grandes equipes e seleções do mundo, os técnicos organizam os times baseados no talento e nas caracterís­ticas dos craques.

A França, campeã do mundo, priorizou a marcação e contra-ataque, porque tinha um jovem extremamen­te veloz e habilidoso, Mbappé.

O Barcelona encantou o mundo, na época de Guardiola, pela troca de passes no meio-campo, porque tinha Xavi e Iniesta. O Grêmio, tão elogiado pelo comando do jogo, faz isso porque tem Maicon, Luan e, principalm­ente, quando tinha Arthur.

Já o Cruzeiro é diferente. O time foi formado e preparado de acordo com a marca de seu técnico, que planeja e escolhe os jogadores para atuarem da maneira que acha a mais adequada para vencer.

Se Arthur evoluir, vai se tornar mais que um titular da seleção brasileira. Vai mudar a maneira de jogar da equipe nacional.

A seleção muito antes de Tite, se caracteriz­a e se destaca pelos dribles e pela velocidade da intermediá­ria para o gol graças às caracterís­ticas de seus excepciona­is meias e atacantes.

Com Arthur, além de manter as virtudes atuais, o time vai ter mais a posse de bola, cadenciar mais o jogo, trocar mais passes e esperar o momento certo para chegar ao gol. Será mais completo.

A evolução do futebol mundial, que já acontece com os grandes times, é unir, em um mesmo jogo, estilos diferentes, como marcar por pressão e mais recuado, atacar e defender com muitos jogadores, ser ativo e reativo, trocar muitos passes e avançar com velocidade.

O Santos de Pelé, no ritmo da época, cadenciava o jogo, ficava com a bola e, de repente, acelerava, com tabelas, triangulaç­ões e dribles, em direção ao gol. As coisas vão e voltam, com intensidad­es diferentes.

A alternânci­a de estilos no futebol segue os humores, a vida emocional e biológica dos seres humanos. Somos inspiração e expiração, sístole e diástole (expansão e retração), ousadia e prudência, razão e paixão, sono e vigília.

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