Folha de S.Paulo

O peso do sucesso

É impossível não comparar ‘The Romanoffs’ com ‘Mad Men’, do mesmo autor

- Mauricio Stycer Jornalista e crítico de TV, autor de ‘Topa Tudo por Dinheiro’. É mestre em sociologia pela USP

No próximo dia 10 de janeiro festeja-se os 20 anos da estreia de “Família Soprano”. Tratase, no juízo de críticos e fãs, de uma das melhores, senão a melhor série já produzida. A sua qualidade deu impulso a uma onda de criativida­de que elevou o status da ficção produzida para a televisão.

Foram, no total, 86 episódios, apresentad­os em seis temporadas. O último, levado ao ar em 10 de junho de 2007, até hoje é motivo de polêmica e debates entre fãs. David Chase, o criador da saga, jamais esclareceu o sentido da cena final, deixando em aberto o destino do protagonis­ta, Tony Soprano (James Gandolfini).

“Se Tony Soprano está vivo ou morto, não é a questão. Continuar procurando essa resposta não leva a nada. A cena final levanta uma questão espiritual que não tem resposta certa ou errada”, disse ele, em 2014, tentando pôr fim, sem sucesso, ao debate.

Outro mistério diz respeito à própria trajetória profission­al do diretor, produtor e roteirista da série. Nesses 12 anos desde o fim de “The Sopranos”, ele dirigiu apenas um filme, “Música e Rebeldia” (2012), sem maior impacto. Desde 2010, especula-se sobre diferentes projetos de Chase, inclusive um filme que trataria dos antecedent­es dos mafiosos de sua famosa série, mas até agora nada veio à luz.

Não tenho elementos suficiente­s para falar em “bloqueio criativo”, mas é possível imaginar que o sucesso de “The Sopranos” tenha algum peso nessa situação. Não deve ser fácil lidar com a expectativ­a de produzir algo à altura do que já fez.

Esse mesmo fantasma cerca Matthew Weiner, criador de “Mad Men”, outra joia da chamada era de ouro da TV americana. A saga do publicitár­io Don Draper ( Jon Hamm) rendeu 92 episódios distribuíd­os em sete temporadas, entre 2007 e 2015, e é igualmente considerad­a uma das séries mais brilhantes já realizadas.

Weiner, porém, não ficou parado por muito tempo. Pouco mais de três anos depois do final de “Mad Men”, ele apresenta “The Romanoffs”. Trata-se de uma superprodu­ção bancada pela Amazon, com apenas oito episódios e orçamento estimado de US$ 50 milhões (cerca de R$ 185 milhões).

As histórias são independen­tes, ligadas apenas por um fio curioso: em cada episódio, algum personagem é ou acredita ser descendent­e da família real russa, assassinad­a em 1918. Os dois primeiros episódios foram liberados de uma vez e a cada sexta-feira um novo fica disponível aos assinantes do serviço.

O primeiro, “The Violet Hour”, mostra a relação de uma aristocrat­a francesa com seu sobrinho americano, que sonha herdar o magnifico apartament­o da tia, e uma cuidadora muçulmana, bondosa e ingênua. Racista, cruel e saudosa dos privilégio­s que já teve, Anushka (Marthe Keller) trata mal tanto Greg (Aaron Eckhart) quanto Hajar (Inès Melab), antes de se afeiçoar a ambos.

O segundo, “The Royal We”, conta a história de Michael (Corey Stoll) e Shelly (Kerry Bishé) Romanoff, um típico casal suburbano americano, que busca sair do tédio de maneira bem pouco original. No melhor momento do episódio, ela participa de um cruzeiro marítimo destinado a descendent­es da nobreza russa.

Ambos com duração de longa-metragem, esses dois primeiros episódios de “The Romanoffs” até passariam por entretenim­ento razoável se o espectador não soubesse que saíram da mesma cabeça do criador de “Mad Men”.

Lembrando disso, a frustração é enorme.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil