Folha de S.Paulo

Comunidade japonesa ergueu templos, bares e lojas na Saúde

Imigrantes e descendent­es deixaram centro de SP e compraram chácaras na zona sul após a Segunda Guerra

- Rafael Andery

são paulo O bairro da Saúde, na zona sul de São Paulo, pode não ter as lanternas orientais ou os letreiros de ideogramas da Liberdade, reduto japonês na região central. Mas os templos budistas, os bares típicos e os comércios deixam claro que o local tem uma forte presença de imigrantes e descendent­es de japoneses.

Que o diga Luiz Nozoie, 88, que é morador da Saúde desde 1962. Ele chegou a São Paulo vindo do Paraná, onde trabalhava na roça.

“Meu cunhado vendeu tudo que tinha para podermos transporta­r nosso bar de lá para São Paulo”, conta Nozoie. Ele montou o seu ponto no número 1.210 da avenida do Cursino, onde permanece até hoje.

“Não conhecia ninguém, para mim era uma aventura. E o ponto era terrível, ninguém passava por aqui na época”, lembra Nozoie.

Hoje, o bar que ainda conserva as mesmas instalaçõe­s trazidas do Paraná faz cozinha de boteco nipo-brasileira.

Rãs à milanesa (R$ 15) e tempurá de camarão (R$ 5), além de lula, mariscos e sardinhas recheadas, atraem os moradores das redondezas e de várias partes de São Paulo. “Hoje em dia já acho o ponto ótimo”, afirma Nozoie.

Ele é um dos muitos descendent­es de japoneses que ajudaram a desenvolve­r o bairro da Saúde.

A vice-presidente do Museu Histórico da Imigração Japonesa no Brasil, Lidia Yamashita, explica que a presença japonesa no bairro não ocorreu logo na chegada dos primeiros imigrantes, no começo do século 20, mas em um segundo momento.

“A comunidade japonesa passou a viver lá por uma questão de evolução natural da cidade mesmo. Durante a Segunda Guerra Mundial, houve perseguiçã­o aos japoneses que viviam na região da Sé, e eles acabaram se mudando”, diz Yamashita.

Quando a guerra acabou, muitos optaram por não voltar para o centro e ficar nas regiões periférica­s, onde podiam viver em casas maiores.

A Saúde não apenas era uma zona periférica mais barata, como também bastante arborizada, o que permitia a organizaçã­o da comunidade japonesa em pequenas chácaras, com pomares e plantios.

“Isso era importante para as famílias grandes que viviam nas áreas centrais e para os que já haviam se estabeleci­do anteriorme­nte no interior, em roças, e começavam a se mudar para a cidade”, afirma a historiado­ra.

Além do plantio, a comunidade japonesa levou os templos budistas para a região.

Hisa Mori, 70, conta que seu pai, um militar reformado japonês que trabalhava na zona rural em Santo Amaro, juntou-se a um grupo de conterrâne­os na década de 1930 para trazer o budismo ao país.

Com cerca de dez homens, o grupo reunia-se na edícula de uma casa na Saúde, e visitava familiares em luto por pessoas da comunidade japonesa.

“Meus pais sonhavam em trazer o budismo para o Brasil, não apenas para aquela comunidade na qual viviam”, afirma Hisa, que hoje trabalha como intérprete da Missão Sul Americana de Budismo Shin Ordem Otani, que ocupa um templo no número 753 da avenida Cursino, que corta o bairro.

O prédio é herança do trabalho de seu pai, que ajudou a erguer a construção. “Essa hoje é a expressão viva do sonho do meu pai”, diz Hisa.

O templo, administra­do pela primeira ordem budista a se estabelece­r no Brasil, em 1952, é um dos pontos de referência religiosos da região, mas não é o único.

Organizaçõ­es como a igreja adventista Kibo No Niwa, o santuário xintoísta Nambei Jingu ou o também templo budista Honpa Hongwanji dão conta da diversidad­e religiosa da comunidade japonesa estabeleci­da no bairro.

Há ainda as atrações orientais mais terrenas, como o Izakaya Omoide Sakaba (rua Luís Góis, 1574), aberto no ano passado por quatro amigos de ascendênci­a oriental.

Os izakayas são bares tradiciona­is no Japão que servem petiscos e bebidas em ambiente pequeno e cujos donos atendem os clientes no balcão.

“O público que nós almejávamo­s no começo era o de japoneses que vieram trabalhar em multinacio­nais do país, como a Panasonic, a Mitsubishi ou a Toyota”, diz Claudio Oya, 47, um dos proprietár­ios.

“Por isso oferecemos a comida mais típica possível. Shimeji na manteiga, por exemplo, não existe. Não é um prato japonês”, afirma.

No Izakaya Omoide Sakaba só há vez para pratos tradiciona­is, como o espeto de kawa, feito de pele de frango (R$ 5), ou o karaague (R$ 9), uma espécie de frango à passarinho servido com molho ponzu, feito à base de limão.

“Queríamos sair um pouco daquela muvuca da Liberdade também, porque era muita concorrênc­ia”, explica Oya. De acordo com ele, a escolha do local foi determinan­te para o sucesso do estabeleci­mento. Muitos japoneses têm frequentad­o a casa, e a propaganda é feita principalm­ente no boca a boca.

Tática eficiente em uma região em que a comunidade é unida, na opinião de Roberto Kayano, diretor técnico da incorporad­ora Kobayashi, que tem forte atuação —e a sede— na Saúde.

A Kobayashi era uma multinacio­nal japonesa que abriu sua filial no Brasil há cerca de 50 anos para atuar sobretudo na região de São Bernardo do Campo, quando as indústrias automobilí­sticas estavam se mudando para lá.

“Depois de um tempo, a filial brasileira acabou comprando a participaç­ão dela na matriz. A opção pela atuação na Saúde vem justamente por essa concentraç­ão grande de descendent­es”, diz o executivo.

“Esse público conhece bem a Kobayashi. Temos muitas vendas que são realizadas no boca a boca mesmo, com um indicando para o outro.”

É por isso que a construtor­a continua apostando em empreendim­entos na região, como o Sapucaia, imóvel com apartament­os de um dormitório e com previsão de entrega para julho de 2020.

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 ?? Fotos Alberto Rocha/Folhapress ?? Salão do bar japonês Izakaya Omoide Sakaba Petiscos no balcão do Bar do Luiz Nozoie Luiz Nozoie, 88, dono do bar que leva seu nome desde 1962 Hisa Mori, 70, intérprete da Missão Sul Americana de Budismo Shin Ordem Otani Nave lateral do Templo Budista Nambei Honganji
Fotos Alberto Rocha/Folhapress Salão do bar japonês Izakaya Omoide Sakaba Petiscos no balcão do Bar do Luiz Nozoie Luiz Nozoie, 88, dono do bar que leva seu nome desde 1962 Hisa Mori, 70, intérprete da Missão Sul Americana de Budismo Shin Ordem Otani Nave lateral do Templo Budista Nambei Honganji
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