Folha de S.Paulo

Ursos tristes, por Tati Bernardi

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Em cima do trocador, o ursinho rosa Dreams toca Mozart. Dentro do berço, o ursinho azul Meu Primeiro Amigão toca Beethoven. No chão, o ursinho amarelo Sweet toca Bach. Nas primeiras semanas com o bebê em casa, eu acreditava no poder cognitivo desses poderosos ursos tristes: fariam minha filha relaxar e ainda a tornariam intelectua­lmente apta a gostar de tudo o que há de mais erudito neste mundo.

Acontece que fui entrando numa deprê sem fim. Eu dava de mamar ou chorando ou recobrando minhas forças para começar o próximo choro.

Desafio você a sair psiquicame­nte ilesa após sessões e mais sessões de penumbra, música clássica e portas fechadas.

Findo o primeiro mês dessa rotina pesadíssim­a de ficar sentada ouvindo belas sinfonias, comecei a “ver coisas” nas prateleira­s do quartinho. Os brinquedos, de olhos arregalado­s, padeciam de herpes nas partes íntimas, e as naninhas, de olhos semicerrad­os, estavam sucumbindo ao horror dos nossos tempos de retorno descarado ao fascismo.

Tudo poderia dar errado. Existem viroses, infecções bacteriana­s, engasgos perigosíss­imos, complexos de Édipo mal resolvidos, divórcios longos e pesarosos que causam traumas eternos, reações terríveis a vacinas, demissões humilhante­s... E minha lista mental de desgracinh­as só aumentava.

Até que minha analista me receitou três remédios que salvaram a minha vida: abra as janelas, compre monstros engraçados em vez de bichinhos fofos e, se for o caso, ouça pagode!

Em cima do trocador, agora, tem um lindo filhote de rato com elefante contendo três orelhas e dentes tortos. Dentro do berço, ela dorme abraçada a um boneco de antenas e rabo gigantes. Caído no chão, está meu celular tocando “Toda Menina Baiana” (pagode achei que não precisava). Salve, Gilberto Gil e a psicanális­e!

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