Folha de S.Paulo

Clima eleitoral bélico invade a gastronomi­a

-

Acabo de voltar de um dos paraísos na Terra para gulosos como eu: San Sebastián, no País Basco. Pretendia contar a vocês o que comi de melhor e compartilh­ar dicas. Mas meu assombro com o atual estado das coisas no Brasil falou mais alto e resolvi deixar para falar da Espanha em outra hora. Notaram como o clima de discórdia raivosa, que paira no ar por culpa das eleições, infiltrou-se até na gastronomi­a?!

Recuso-me a reinflamar a polêmica em torno do post da chef Helena Rizzo em repúdio ao Bolsonaro —já deu muito pano para a manga. Nunca o Maní, o restaurant­e dela, foi tão falado nas mídias impressas e sociais. A avalanche de críticas pesadas foi avassalado­ra. Quanto ódio! Assustaram-me as mensagens deixadas na caixa de comentário­s de um velho e insignific­ante vídeo que eu havia postado da chef no YouTube cinco anos atrás.

“Essa Rizzo nascida do ovo chocado por Lúcifer”, escreveu certo desajustad­o que chegou ao ponto de xingar tanto a mim como a chef de “sujas”. Recebi também por WhatsApp um vídeo supostamen­te feito por um funcionári­o mostrando outro restaurant­e dela, o Manioca, às moscas em pleno horário de almoço (desconfio que seja falsificad­o, nessa era de fake tudo).

Em que tempo vivemos? De onde surgiu tanta gente raivosa? Quando é que terminará o bombardeio de memes e mensagens de WhatsApp metendo política e gastronomi­a no mesmo saco de gatos?

Graças às toneladas diárias de posts de política nas mídias sociais, eu sei que Janaína Rueda repudia o Bolsonaro e que Felipe Bronze votou no Amoedo. Eloquente e engraçado, Raphael Despirite, do Fechado para Jantar, manda ver em seu Facebook. Um exemplo deste mês: “Eu já tinha aprendido a superar a ‘esquerda burger gourmet’, que idolatra de maneira doentia o Lula... mas ainda não consegui engolir essa ‘direita Outback’ que idolatra cegamente o Bolso”.

É natural que estejamos absortos por essa eleição e que sentimento­s à flor da pele traduzam-se em posts. Mas também é natural que estejamos fartos de ler e ouvir opiniões contra e a favor de candidato A ou B em mídias e ambientes normalment­e apolíticos. Pegando emprestada uma frase de Despirite, domingo que vem “vai ter spaghetti a alho e ódio de jantar”. Espero que, de sobremesa, o pós-eleição nos traga doçura.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil