SPFW promove beijaço e ‘EleNão’ em reação a escalada conservadora
Enquanto moda praia vende Brasil internacional, Ronaldo Fraga arma banquete e marca jovem, manifesto político
Como a moda pode responder à polarização de um país às vésperas de uma eleição dramática? Há quem prefira desenhar com todas as letras um manifesto político na roupa ou fazer de seu desfile uma declaração de amor à união e à diversidade, como fez Ronaldo Fraga no encerramento do terceiro dia da São Paulo Fashion Week.
Na mesma mesa, de comida árabe e kosher, todos puderam se servir ao final da apresentação —judeus, palestinos, gays, negros, brancos, jovens e idosos, a vasta escalação de modelos dessa coleção inspirada na cultura de Israel, país de contrastes como o Brasil.
Um beijaço entre duplas de identidades sexuais distintas emoldurou a ode ao amor proposta pelo estilista mineiro, que colou estrelas de davi, listras da indumentária judaica e até cachos (“peiot”) nas hastes dos óculos, como uma reprodução do judaísmo ortodoxo.
O splash de azul tingiu a maior parte das roupas, como um céu aberto para o diálogo que, segundo Fraga, está longe de acontecer por aqui. “Há uma lenda de que em Tel Aviv se mata na rua. Mas a guerra é aqui. Lá não se mata travestis, negros e gays”, diz ele.
Foi para alertar sobre o linchamento público da comunidade LGBT que a jovem LED mirou a audiência anestesiada com o #EleNão, hashtag que é manifesto contra a candidatura à Presidência de Jair Bolsonaro (PSL).
Nesta terça-feira (23) de discursos dissonantes, o estilista Célio Dias apareceu para encerrar seu desfile com uma camiseta na qual se lia o escrito no peito. Nas costas, desenhou a frase “bichas resistam”, entrando na onda política que, sabe-se, tomará o desfile de algumas marcas do calendário desta temporada.
Mas foi a faceta onírica do Brasil que se confirmou na passarela, uma forma de escapismo que, claro, tem como alvo a clientela de fora. A ideia é atingir a parcela de fashionistas amantes da fauna e da flora nacional, colada em biquínis e maiôs versáteis.
Representante mais aguerrida do trabalho manual brasileiro, Patricia Bonaldi cortou telas de crochê, bordou araras em canutilhos e alinhavou a flora brasileira em peças de tule misturado à laicra.
Ela mostrou propostas de saídas de banho tingidas com vegetação e outras costuradas com fitas de crochê unidas manualmente, num esforço de diferenciar o produto nas praças internacionais.
As calcinhas do biquíni receberam botões falsos e os sutiãs tomara que caia, babados.
A preocupação dos designers que enveredam pela praia é criar peças que possam ser usadas tanto sobre a areia quanto sobre o asfalto.
Por isso, Amir Slama, outro nome importante do calendário solar da SPFW, alongou saias femininas e encurtou bermudas masculinas, além de transformar as roupas de banho em peças de festa — os bodies, mais uma vez, são ferramentas dessa estética.
Em vez de folhagens, Slama colheu frutas para a coleção, que ainda exibe maiôs cavados e tons de laranja e lilás.
É curioso como os estilistas se agarram à paisagem nacional para atingir uma clientela estrangeira e, quando o foco é o próprio país, valem-se da moda europeia na passarela.
Reinaldo Lourenço talvez seja quem faz isso com mais apuro. Sua coleção abriu o dia com um compilado de peças famosas da trajetória dele —há jaquetas de motocross, couro e fendas recatadas.
O híbrido de feminilidade e peso, tom expresso em ilhoses aplicadas como aviamentos de saias lápis, botas e cintos de couro, aparece como evolução de coleções passadas. Até os detalhes de estampa, aqui compostas por losangos coloridos, foram aplicados na mesma proporção de outrora.