Vitaminado nas urnas, eleito deve levar a sua mentalidade de bunker a Brasília
são paulo Reforçado pelo sucesso nas urnas, Jair Bolsonaro (PSL) levará para o Palácio do Planalto a mentalidade de bunker que acompanhou sua campanha após a facada recebida em 6 de setembro.
A dúvida que fica é por quanto tempo isso se manterá em um ambiente dividido e fluido —a própria ideia de que o deputado seria presidente era considerada absurda pelo mundo político há um ano.
Bolsonaro sempre manteve controle do processo decisório de sua candidatura. Emulando o Kremlin de Vladimir Putin, organizou círculos ora concêntricos, ora isolados e concorrentes, de apoiadores.
Seu quartel-general sempre foi a família. O que o atentado fez foi fechar de vez o círculo, com a adição de poucos soldados à cidadela.
Para ele, o bônus foi poder evitar a exposição ao debate. Escolheu como e com quem conversar e tudo indica que levará esse estilo a Brasília.
Lives e tuítes tendem a ser institucionalizados em detrimento do diálogo com a imprensa —nada diferente do que o PT fez quando estava popular e do que prega Donald Trump, seu modelo.
Não sem simbolismo, sua primeira fala foi pela internet, uma comunicação truncada e de má qualidade. O espírito de grupo fechado foi reforçado pela oração puxada antes do pronunciamento a seguir, permeado por messianismo entre defesas de praxe da democracia.
A interação de Bolsonaro presidente com a realidade poderá lembrar o momento de seu voto. Policiais e militares fortemente armados, revistas, cães farejadores, o próprio candidato com um colete à prova de balas.
Obviamente, Bolsonaro tem motivos para se preocupar após quase morrer, mas constitui inusitada novidade um presidente usando paletós sobre placas de kevlar.
Transferir seu bunker da Barra da Tijuca para a praça dos Três Poderes, portanto, parece natural. Mas é incógnita como se refletirá essa psiquê na condução do governo em um país polarizado.
Se tiver sucesso em encaminhar suas agendas iniciais na economia e na segurança pública logo no começo da próxima legislatura, é previsível que Bolsonaro terá gordura política para gastar e poderá escolher esse modus operandi livremente. Isso reforçará a demonização de adversários.
Em seus ocasos, Fernando Collor e Dilma Rousseff também viveram sob essa égide de recolhimento. Mas é a primeira vez que um presidente inicia seu mandato desta forma.
A emergência de crises, e elas virão, é que colocará o mandatário à prova. Uma coisa é fazer campanha sozinho por três, quatro anos e ser retirado das ruas na hora mais aguda. Outra é governar uma nau complexa como o Brasil.
A premissa de que irá quebrar a ordem estabelecida encontrou eco no pleito. O fato de não ter tido uma votação tão consagradora como desejava seu entorno serve como moderador de apetite, mas a confirmação da trinca conservadora no Sudeste afastou temor de refluxo na onda de direita sugerida em pesquisas.
Como diz o clichê, Bolsonaro está empoderado pelas urnas. O escrutínio desse poder começa imediatamente, a cada fala na internet e com a procissão de políticos que baterá às portas de sua casamata.