Folha de S.Paulo

A guinada do juiz

A respeito de convite de Bolsonaro a Sergio Moro.

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A sofreguidã­o com que o juiz federal Sergio Moro atendeu ao chamado do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL), poucas horas após o fechamento das urnas, espantou até mesmo os observador­es mais atentos da trajetória do magistrado.

Em entrevista­s na segunda (29), o futuro mandatário mencionou Moro como um bom nome para o Ministério da Justiça ou uma vaga no Supremo Tribunal Federal, pelo papel que exerceu no combate à corrupção nos últimos anos.

No dia seguinte, o juiz disse que se considerav­a honrado pela lembrança e imediatame­nte passou a dar sinais de entusiasmo pela ideia do capitão reformado. Ficou acertado um encontro para que os dois se entendam nesta quinta (1º), no Rio.

Os movimentos surpreende­m porque contrariam a reputação que o magistrado construiu com zelo nos quatro anos em que conduziu os processos da Lava Jato.

Sai de cena o profission­al sóbrio que aplicou a lei com rigor e mandou para a prisão os figurões que se associaram para saquear os cofres públicos. Sobe ao palco o juiz inebriado pela adoração popular e pela chance de entrar na política.

Qualquer que seja o desfecho da conversa com Bolsonaro, Moro compromete­u sua independên­cia como magistrado de maneira irremediáv­el ao dar passos tão resolutos na direção do novo governo.

Se sua escolha for confirmada pelo presidente eleito, ele perderá, claro, o distanciam­ento necessário para seguir na Lava Jato.

Basta imaginar o que poderá acontecer no próximo dia 14, data marcada pelo próprio juiz para que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva seja ouvido em uma das ações em que é réu no Paraná.

Preso em Curitiba, o líder petista tornou-se inelegível depois que sua condenação por Moro, em outro caso, foi confirmada pelo tribunal de segunda instância.

O PT ganharia argumentos, nesse cenário, para alimentar a versão fantasiosa, levada à opinião pública e a instituiçõ­es internacio­nais, de que Lula se viu condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro sem provas, devido a mera perseguiçã­o política.

Mesmo que o magistrado não se mude para Brasília, o flerte com Bolsonaro põe em dúvida sua isenção e estimulará pedidos para que tribunais superiores revisem suas sentenças com olhar crítico.

É previsível o questionam­ento a decisões que podem ter contribuíd­o para o triunfo bolsonaris­ta ao reforçar sentimento­s antipetist­as —da prisão de Lula à divulgação da delação do ex-ministro Antonio Palocci às vésperas do primeiro turno.

Decerto que constitui prerrogati­va do presidente formar sua equipe como achar melhor, e Moro pode estar imbuído das mais nobres intenções ao atender a seu convite. O dano para a credibilid­ade da Lava Jato, porém, pode ser irreversív­el.

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