Folha de S.Paulo

Risco externo

- Matias Spektor Professor de relações internacio­nais na FGV. Escreve às quintas

A maior parte dos jornais estrangeir­os bate forte no presidente eleito. Mas quando ele bancou Paulo Guedes em detrimento dos industriai­s sedentos por um ministério para chamar de seu, as embaixadas estrangeir­as em Brasília vibraram. Seus relatos para as respectiva­s capitais é inequívoco: o novo governo virá com tudo e começa forte.

Da reforma da economia à Escola Sem Partido, da lei antiterror­ismo à fusão de ministério­s, Bolsonaro entregará mudança.

Ocorre que esta semana também abriu um risco grande para a equipe de transição. Como terceiros países sabem pouco sobre Jair Bolsonaro e seu círculo mais íntimo, todos têm dificuldad­e para identifica­r com quem estão lidando. O resultado é um ambiente propício a tensões, rusgas e conflito.

O baque inicial esta semana veio de Argentina e China. Em ambos os casos, a falta de conhecimen­to no exterior a respeito de Bolsonaro gerou ruído.

No caso argentino, a declaração de Paulo Guedes sobre Mercosul e o anúncio mal feito da visita presidenci­al ao Chile criaram constrangi­mentos a Mauricio Macri, deixando a imprensa e a diplomacia argentinas em polvorosa.

No caso da China, o governo de Xi Jinping sabe que Bolsonaro buscará renegociar os termos da relação bilateral. Mas como ninguém em Pequim sabe como o novo presidente brasileiro irá fazê-lo, o governo chinês, de forma preventiva, partiu para cima. O duro editorial de segunda-feira passada no China Daily dá o tom do que virá.

Tais fricções são um problema porque incentivam uma escalada entre os países. São brigas evitáveis que um presidente novato terá dificuldad­e de equacionar.

O problema só se resolve com comunicaçã­o diplomátic­a bem feita. No passado, outros presidente­s eleitos mandaram emissários ao exterior, deram entrevista­s ao Washington Post, falaram ao pé do ouvido de embaixador­es estrangeir­os e pegaram voos para fazer visitas de cortesia.

Foi o que o próprio Bolsonaro fez com os Estados Unidos. Durante meses, ele trabalhou junto a Wall Street e a Steve Bannon. A entrevista deste último a Patrícia de Campos Mello nesta Folha ilustra o ponto da comunicaçã­o bem feita. O resultado veio na forma do telefonema de Donald Trump pela vitória.

A equipe de transição ainda não começou a falar com o mundo. Até agora, quem saiu para apagar o incêndio foi a senadora Ana Amélia (PP/RS). Candidata a um cargo no governo, menos de 48 horas após o passo em falso com a Argentina, ela bateu à porta do embaixador de Macri em Brasília.

Nos dois meses que faltam até a posse, má comunicaçã­o é o maior risco externo.

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