Nem todo avanço avança
A primeira fala de Jair Bolsonaro como presidente eleito ocorreu numa rede social. O novo governo inteiro será conhecido por posts.
Muito confortável para quem governa, esse canal de comunicação enxuga o espaço do contraditório. Do ponto de vista do jornalismo, não é o caso de ficar chorando pelos cantos —a desintermediação é um dado da vida. Donald Trump, o rei do Twitter, levou dois meses para dar uma entrevista coletiva como eleito.
Fosse um problema jornalístico, já seria grande. Mais profundo é o buraco para a sociedade, pois a relação entre democracia e tecnologia se insinua diferente da imaginada.
“Após o fim da Guerra Fria, a sabedoria ocidental guiava-se por duas crenças: que a democracia liberal iria se espalhar pelo planeta e que a tecnologia seria o vento a empurrála”, escrevem Nicholas Thompson e Ian Bremmer em artigo neste mês na Wired. “O cenário atual da revolução digital é diferente”, dizem eles, mostrando como o regime ditatorial chinês se vale da computação.
A tecnologia beneficia não só regimes totalitários, afirma o sociólogo Paolo Gerbaudo em outro artigo deste ano. “Muitos movimentos populistas na história se caracterizaram por um espírito inovador.”
Decerto há um bocado de impressionismo no ar, mas é nítido que a coisa não cheira bem. As limitações técnicas a pesquisas nessa área, ainda imensas, afastam a academia de compreender direito o efeito das fake news e das ações contra elas.
Obstáculo parecido enfrentam os levantamentos de opinião pública. Dizer que não acredita em fake news ou que não as envia é muito diferente de não crer ou não encaminhar.
Outro efeito ainda pouco mensurável ocorre nas relações sociais. Os arrependidos-publicamente-pelo-voto estão aí, já nesta semana, a provar que a política criou seu BBB.
Todo um novo campo de estudo está florescendo. Talvez algum dia concluamos que algoritmos não harmonizam com democracia. Até lá, dá para ir manipulando muita coisa.