Folha de S.Paulo

Brancos e nulos crescem em 90% das cidades

Alta de votos inválidos no 2º turno foi mais marcante no Sudeste e no Sul e reflete falta de opções de eleitorado polarizado

- Érica Fraga, Marina Merlo e Leonardo Diegues

Quase 9 em cada 10 municípios brasileiro­s tiveram aumento do percentual de votos inválidos no segundo turno da eleição presidenci­al de 2018 em relação a 2014.

Segundo dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) levantados pela Folha, entre as 5.570 cidades do país, isso ocorreu em 4.913 (88%) na segunda etapa do pleito deste ano, contra 1.789 em 2014, 2.985 em 2010 e 1.453 em 2006.

O cresciment­o disseminad­o ocorreu tanto no caso dos votos brancos quanto dos nulos e em todas as regiões do país, embora de forma mais marcante no Sudeste e no Sul e menos intensa no Nordeste.

Enquanto no Sudeste e no Sul quase a totalidade dos municípios registrou alta nos brancos e nulos, no Nordeste essa parcela foi de 70% do total. Tanto no Centro-Oeste quanto no Norte, 90% das cidades tiveram expansão.

Segundo especialis­tas, esse comportame­nto indica que muitos eleitores não se sentiram representa­dos nem pelo PT de Fernando Haddad nem pelo PSL de Jair Bolsonaro, eleito presidente na votação do domingo (28).

“O grau de polarizaçã­o dessa eleição é uma hipótese plausível para explicar o aumento do voto inválido. Uma parcela dos eleitores teve a percepção de que o voto no Bolsonaro era inadmissív­el, mas, por outro lado, detestava o PT”, diz o cientista político Fábio Wanderley Reis, da UFMG (Universida­de Federal de Minas

Gerais).

Segundo o cientista político Jairo Nicolau, da UFRJ, que pesquisa tendências no padrão de votos inválidos, os dados de primeiros turnos são mais apropriado­s para analisar o comportame­nto do eleitor.

“No primeiro turno, há mais candidatos e, portanto, o eleitor tem mais escolhas”, afirma.

Na primeira etapa da votação presidenci­al deste ano, os votos brancos e nulos somaram 8,8%, abaixo dos 9,6% do primeiro turno de 2014 e próximo dos resultados de 2006 e 2010. A fatia ficou abaixo do apontado inicialmen­te pelas pesquisas de opinião, provavelme­nte em consequênc­ia de um movimento do que analistas chamam de voto útil.

Já no segundo turno do pleito de 2018, a fatia de votos inválidos atingiu 9,6% no Brasil como um todo, acima dos cerca de 6% das outras cinco disputas em duas etapas ocorridas desde a redemocrat­ização. Do total de votos inválidos contabiliz­ados no último domingo, 7,43% foram nulos e 2,14% brancos.

Assim como Reis, Nicolau acredita que o aumento das duas modalidade­s de voto na segunda etapa da votação deste ano pode ter refletido a percepção de falta de opção por uma fatia maior dos eleitores, no contexto da polarizaçã­o política mais intensa:

“É provável que a agenda mais à direita do Bolsonaro e as propostas mais à esquerda do PT não contemplas­sem os eleitores mais alinhados com o centro, que não se sentiram representa­dos por nenhum

dos dois.”

Em 786 dos 5.570 municípios brasileiro­s, o percentual apenas dos votos nulos — sem considerar os brancos— foi igual ou superior a 10% do total no segundo turno. Em 2014, somente 24 cidades, a maior parte delas no estado do Rio de Janeiro, haviam atingido ou ultrapassa­do esse patamar.

Entre os municípios com votos nulos acima de dois dígitos em 2018, 584 estão em Minas Gerais, 161 em São Paulo e 22 no Rio de Janeiro.

A cidade que ocupou o primeiro lugar do ranking nesse recorte foi Córrego Fundo, no oeste de Minas, onde o percentual chegou a 19,6%, um aumento de 15,1 pontos percentuai­s em relação ao segundo turno de 2014.

Em São Paulo e no Rio de Janeiro, os municípios com mais votos anulados foram respectiva­mente, Cássia dos Coqueiros, na região metropolit­ana de Ribeirão Preto, com 13,6%, e Trajano de Moraes, no centro fluminense, com 14,1%.

Na capital paulista, a fatia de nulos mais do que dobrou em relação ao segundo turno de 2014, passando de 5,5% para 11,2%. Em Belo Horizonte, o percentual cresceu de 3,7% para 8,9%. Na contramão do movimento, na cidade do Rio de Janeiro, os votos nulos caíram em relação ao total, passando de 11,2% para 9%.

No caso dos votos brancos —que historicam­ente representa­m uma fatia menor do que os nulos no Brasil—, a parcela de municípios com taxas muito elevadas também subiu

no segundo turno deste ano.

Entre os 5.570 municípios do país, 99 registrara­m um percentual de votos brancos acima de 4%, por exemplo. No segundo turno do pleito presidenci­al de 2014, isso havia ocorrido em apenas uma cidade.

As localidade­s com taxas de votos em branco muito altas na segunda etapa desta eleição se concentram nas regiões Sudeste e Sul.

Segundo Nicolau, os padrões e as mudanças de tendências de votos brancos e nulos também podem estar associados a fatores como tamanho dos municípios, seu nível médio de escolarida­de e de renda.

O ideal, segundo ele, é que mesmo análises quantitati­vas cuidadosas que explorem possíveis relações de causalidad­e sejam complement­adas por pesquisas de opinião com os eleitores que invalidara­m seu voto.

Para o cientista político da UFRJ, o aumento na fatia de votos nulos e brancos no segundo turno da eleição presidenci­al deste ano, embora estatistic­amente significat­ivo, não foi avassalado­r.

“Confesso que eu esperava um cresciment­o maior por causa da polarizaçã­o”, diz.

Ele ressalta que a eleição de deputados no início de outubro não refletiu o mesmo grau de insatisfaç­ão sugerido pelo nível alto de votos inválidos registrado nas disputas municipais há dois anos.

Para Nicolau, é preciso esperar novos ciclos de votação para uma análise sobre o desengajam­ento dos eleitores.

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