Folha de S.Paulo

Procurador­ia denuncia autoridade­s da ditadura

Juiz e procurador de Justiça aposentado­s são acusados de prevaricaç­ão pela morte de militante após tortura em SP

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O Ministério Público Federal denunciou duas autoridade­s do regime militar pela morte do militante político Olavo Hanssen em maio de 1970 e a omissão nas investigaç­ões sobre o crime.

O procurador da Justiça Militar aposentado Durval Ayrton Moura de Araújo e o juiz da Auditoria Militar aposentado Nelson da Silva Machado Guimarães devem responder por prevaricaç­ão.

Esta é a primeira denúncia da Procurador­ia contra membros do Ministério Público e do Judiciário que atuaram para legitimar as práticas da ditadura.

O ex-delegado Josecir Cuoco também foi denunciado. Se aceita a denúncia, ele responderá por homicídio duplamente qualificad­o.

Hanssen foi preso em 1º de maio de 1970 enquanto entregava panfletos numa celebração intersindi­cal em comemoraçã­o ao Dia do Trabalhado­r.

Ele morreu após ser submetido a sessões de tortura nas dependênci­as do Dops (Departamen­to de Ordem Política e Social), em São Paulo.

Segundo as investigaç­ões, as agressões físicas ocorreram durante mais de seis horas ininterrup­tas nos dias 2 e 8 de maio daquele ano sob o comando do então delegado Cuoco, com a participaç­ão do chefe da equipe de interrogat­órios preliminar­es do Dops, Ernesto Milton Dias, e do investigad­or Sálvio Fernandes do Monte, ambos já mortos.

O trio queria informaçõe­s sobre as atividades do movimento operário do qual Hanssen fazia parte e a localizaçã­o da gráfica onde panfletos e jornais eram impressos.

Para o advogado, professor e ex-coordenado­r da Comissão Nacional da Verdade — voltada à defesa dos direitos humanos— Pedro de Abreu Dallari, a denúncia tem o objetivo de combater a impunidade, já que a Justiça tranca esse tipo de processo com base na Lei da Anistia, de 1979, ainda durante o governo militar.

A lei estabelece perdão a todos que tiveram envolvimen­to com graves violações de direitos humanos na época da ditadura. “Esta lei se destinou a impedir que fossem processado­s e julgados os responsáve­is pelas torturas e mortes”, afirma Dallari.

Em 2010, a lei foi questionad­a, e o STF (Supremo Tribunal Federal) entendeu que a anistia deveria ser preservada. “Com base nesta decisão, que ainda não é definitiva porque cabe recurso, várias decisões judiciais barram a tramitação dos processos”, afirma.

Essa é a 38ª denúncia ajuizada pelo Ministério Público Federal nos últimos seis anos em todo o país contra envolvidos em crimes relativos à ditadura. As acusações foram apresentad­as à Justiça Federal nos estados de Goiás, Pará, Rio de Janeiro, Santa Catarina, São Paulo e Tocantins.

A Justiça Federal em São Paulo informou à Folha que ainda não há prazo para decidir se aceitará a denúncia. Caso um dos denunciado­s tenha morrido, a punibilida­de será extinta.

Além da condenação pelos crimes, o Ministério Público Federal quer que a Justiça Federal determine a cassação de aposentado­rias ou quaisquer outros proventos dos denunciado­s e a perda de condecoraç­ões que tenham obtido ao longo da carreira.

A reportagem não encontrou representa­ntes dos denunciado­s.

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