Folha de S.Paulo

Lojas que vendem em dólar têm prateleira­s cheias na Venezuela

- Marco Bello/Reuters

Em um hotel de luxo da capital da Venezuela, uma loja pequena com prateleira­s lotadas oferece uma variedade de produtos que vai de vinhos finos a fórmula para bebê importada, em um contraste acentuado com os desabastec­idos supermerca­dos normais da nação em grave crise econômica.

Outra loja localizada em Maracaibo, no oeste do país, vende cereais matutinos, sopas e sal trufado dos EUA. Em um país cuja inflação anual está em 400.000%, os preços dessas lojas são os únicos que permanecer­ão estáveis.

“Aqui vendemos em dólar”, disse Lourdes Torres, gerente da loja de Maracaibo, atendendo clientes que esperavam para pagar com a moeda norte-americana.

“Aceitamos dinheiro, além de transferên­cias de bancos americanos”, explicou, acrescenta­ndo que também recebe pagamentos com a moeda local, o bolívar, com preços convertido­s pela taxa de câmbio do mercado negro —quase o quádruplo da taxa oficial.

Os bodegones, lojas particular­es que lembram as lojas de dólar que o governo de Cuba administra­va nos anos 1990, vêm se expandindo constantem­ente nos últimos meses, já que realizar negócios com o combalido bolívar se torna cada vez mais difícil.

Sua ascensão vem na esteira de uma decisão do regime do ditador Nicolás Maduro de afrouxar um sistema de controle de moeda em vigor há 15 anos que tornou o comércio em dólar ilegal.

Ela também coincide com a dolarizaçã­o crescente de uma economia em colapso na qual muitos profission­ais —de médicos e dentistas a personal trainers— estão cobrando em moeda estrangeir­a.

A clientela dos bodegones é formada essencialm­ente por venezuelan­os abastados com rendimento em moeda estrangeir­a, mas inclui número cada vez maior de moradores que recebem remessas dos cerca de dois milhões de compatriot­as que emigraram para fugir da fome e da doença.

A Reuters visitou seis lojas recém-abertas que vendem em dólar em Caracas e cinco outras cidades grandes, incluindo o município fronteiriç­o de San Cristóbal e o antes florescent­e polo industri- al de Valencia, hoje repleto de fábricas vazias.

Muitas vezes os bodegones atraem a atenção dos consumidor­es com produtos de luxo, como chocolates ou aparelhos de alta tecnologia — mas os itens mais populares são itens de higiene pessoal, como desodorant­e e pasta de dente, oferecidos em variedade maior do que nos supermerca­dos, segundo gerentes.

“As pessoas estão sempre perguntand­o se temos fraldas”, afirmou a gerente de uma loja em Caracas. Ela disse que o estoque de fraldas, colocadas próximo a garrafas de champanhe, sempre termina em uma semana.

Preços dolarizado­s eram algo impensável sob os regulament­os criados durante o governo de Hugo Chávez. Eles colocaram o Estado dominando praticamen­te todas as transações em moedas estrangeir­as e de fixar os preços sobre os bens de consumo.

O governo Maduro, que culpa o que ele chama de empresário­s inescrupul­osos pelo desabastec­imento e pela inflação, ao cobrar muito mais caro ou esconder produtos, levantou em agosto a proibição sobre o livre câmbio de moeda, mas não estipulou a partir de quando essas operações seriam permitidas, o que deixou muitos donos de lojas inseguros.

Em setembro, quando os novos bodegones começaram a surgir, o governo mandou prender 34 gerentes de supermerca­dos sob a acusação de especulaçã­o de preços. Eles foram soltos mais tarde e renunciara­m aos cargos.

Maria Uzcategui, da associação comercial Consecomer­cio, disse que as lojas que comerciali­zam em dólar o fazem “por conta e risco próprios”, sendo ignoradas pelo governo, que prefere perseguir as grandes cadeias.

“As prisões são um show para culpar os comerciant­es pela situação econômica do país”, diz Uzcategui. “É por isso que eles destacam as grandes cadeiras e não pequenos negócios ou os novos bodegones.”

Os preços nas lojas dolarizada­s são exorbitant­es para aqueles que vivem com salários em bolívar. O salário mínimo é cerca de US$ 10 por mês, e ao menos de 80% da população deixa de fazer pelo menos uma refeição por dia.

Enquanto isso, os cerca de US$ 1,1 bilhão em remessas anuais para a Venezuela se tornaram o salva-vidas de funcionári­os públicos, aposentado­s e trabalhado­res assalariad­os que querem evitar as longas filas ou corridas a vários supermerca­dos para encontrar os produtos de que precisam.

 ??  ?? Mulher compra bebida em loja de hotel cinco estrelas em Caracas
Mulher compra bebida em loja de hotel cinco estrelas em Caracas

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil