Lojas que vendem em dólar têm prateleiras cheias na Venezuela
Em um hotel de luxo da capital da Venezuela, uma loja pequena com prateleiras lotadas oferece uma variedade de produtos que vai de vinhos finos a fórmula para bebê importada, em um contraste acentuado com os desabastecidos supermercados normais da nação em grave crise econômica.
Outra loja localizada em Maracaibo, no oeste do país, vende cereais matutinos, sopas e sal trufado dos EUA. Em um país cuja inflação anual está em 400.000%, os preços dessas lojas são os únicos que permanecerão estáveis.
“Aqui vendemos em dólar”, disse Lourdes Torres, gerente da loja de Maracaibo, atendendo clientes que esperavam para pagar com a moeda norte-americana.
“Aceitamos dinheiro, além de transferências de bancos americanos”, explicou, acrescentando que também recebe pagamentos com a moeda local, o bolívar, com preços convertidos pela taxa de câmbio do mercado negro —quase o quádruplo da taxa oficial.
Os bodegones, lojas particulares que lembram as lojas de dólar que o governo de Cuba administrava nos anos 1990, vêm se expandindo constantemente nos últimos meses, já que realizar negócios com o combalido bolívar se torna cada vez mais difícil.
Sua ascensão vem na esteira de uma decisão do regime do ditador Nicolás Maduro de afrouxar um sistema de controle de moeda em vigor há 15 anos que tornou o comércio em dólar ilegal.
Ela também coincide com a dolarização crescente de uma economia em colapso na qual muitos profissionais —de médicos e dentistas a personal trainers— estão cobrando em moeda estrangeira.
A clientela dos bodegones é formada essencialmente por venezuelanos abastados com rendimento em moeda estrangeira, mas inclui número cada vez maior de moradores que recebem remessas dos cerca de dois milhões de compatriotas que emigraram para fugir da fome e da doença.
A Reuters visitou seis lojas recém-abertas que vendem em dólar em Caracas e cinco outras cidades grandes, incluindo o município fronteiriço de San Cristóbal e o antes florescente polo industri- al de Valencia, hoje repleto de fábricas vazias.
Muitas vezes os bodegones atraem a atenção dos consumidores com produtos de luxo, como chocolates ou aparelhos de alta tecnologia — mas os itens mais populares são itens de higiene pessoal, como desodorante e pasta de dente, oferecidos em variedade maior do que nos supermercados, segundo gerentes.
“As pessoas estão sempre perguntando se temos fraldas”, afirmou a gerente de uma loja em Caracas. Ela disse que o estoque de fraldas, colocadas próximo a garrafas de champanhe, sempre termina em uma semana.
Preços dolarizados eram algo impensável sob os regulamentos criados durante o governo de Hugo Chávez. Eles colocaram o Estado dominando praticamente todas as transações em moedas estrangeiras e de fixar os preços sobre os bens de consumo.
O governo Maduro, que culpa o que ele chama de empresários inescrupulosos pelo desabastecimento e pela inflação, ao cobrar muito mais caro ou esconder produtos, levantou em agosto a proibição sobre o livre câmbio de moeda, mas não estipulou a partir de quando essas operações seriam permitidas, o que deixou muitos donos de lojas inseguros.
Em setembro, quando os novos bodegones começaram a surgir, o governo mandou prender 34 gerentes de supermercados sob a acusação de especulação de preços. Eles foram soltos mais tarde e renunciaram aos cargos.
Maria Uzcategui, da associação comercial Consecomercio, disse que as lojas que comercializam em dólar o fazem “por conta e risco próprios”, sendo ignoradas pelo governo, que prefere perseguir as grandes cadeias.
“As prisões são um show para culpar os comerciantes pela situação econômica do país”, diz Uzcategui. “É por isso que eles destacam as grandes cadeiras e não pequenos negócios ou os novos bodegones.”
Os preços nas lojas dolarizadas são exorbitantes para aqueles que vivem com salários em bolívar. O salário mínimo é cerca de US$ 10 por mês, e ao menos de 80% da população deixa de fazer pelo menos uma refeição por dia.
Enquanto isso, os cerca de US$ 1,1 bilhão em remessas anuais para a Venezuela se tornaram o salva-vidas de funcionários públicos, aposentados e trabalhadores assalariados que querem evitar as longas filas ou corridas a vários supermercados para encontrar os produtos de que precisam.