Folha de S.Paulo

Superdúvid­as na economia de Bolsonaro

Ruído na informação cria dúvidas sobre câmbio, Previdênci­a e independên­cia do BC

- Vinicius Torres Freire Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de Harvard (EUA) vinicius.torres@grupofolha.com.br

O presidente foi eleito faz quatro dias. Difícil, claro, que se esclareces­sem dúvidas sobre o que Jair Bolsonaro fará na economia, muitas, dado o mistério que foi sua campanha. Mas não convinha criar mais confusão. Por exemplo. Dúvida 1.

Dias antes de ser eleito, Bolsonaro falou de metas para o dólar. Nesta semana, Onyx Lorenzoni, ministro indicado para Casa Civil, disse algo (vago assim mesmo) sobre taxa de câmbio. Nesta semana, a equipe do programa econômico falou de vender reservas internacio­nais para abater dívida pública.

O superminis­tro indicado para a Economia, Paulo Guedes, disse que poderia vender em tese até US$ 100 bilhões dos US$ 381 bilhões das reservas a fim de controlar uma desvaloriz­ação crítica do real (dólar indo a R$ 5).

Há fumaça nessa história de câmbio. Obviamente tratou-se do assunto no comando bolsonaris­ta, mas, além de Guedes, ninguém entende do que se trata. Há fogo?

Dúvida 2.

Guedes fala, pois, com desenvoltu­ra do que fazer de taxa de câmbio e de reservas. Atualmente, a política cambial está, na prática, a cargo do Banco Central. Vai sair de lá, do BC? Vai haver bola dividida ou compartilh­ada entre BC e superminis­tério da Economia? Dúvida 3.

Por falar em Banco Central, parece ser intenção do governo Bolsonaro mandar ao Congresso um projeto de independên­cia ou de autonomia do BC, não se sabe qual das alternativ­as ou se há de fato diferença entre os termos.

O BC seria autônomo ou independen­te até que limite? Com certeza em política monetária, na definição da meta de taxa de juros etc.; decerto na política de crédito e na regulação e na fiscalizaç­ão do sistema financeiro.

Mas como fica, por exemplo, a definição da meta de inflação, assunto no qual o BC tem voz? Sim, voz no CMN (Conselho Monetário Nacional), do qual fazem parte o presidente do BC e os ministros da Fazenda e do Planejamen­to, que serão Guedes. Um BC independen­te pode ou não definir a meta de inflação. Como vai ser? Dúvida 4.

Por falar em Conselho Monetário Nacional, o CMN formula a política de moeda e crédito, decide normas para o sistema financeiro e um mundo de assuntos correlatos. Com um Banco Central independen­te, como fica o CMN? Acaba? Permanece? Com quais atribuiçõe­s, as quais sempre limitarão, para o bem ou para o mal, a independên­cia do BC? Com qual composição? Um representa­nte do BC e outro do superminis­tério da Economia? Quem decide eventual conflito?

Sim, já se pensaram respostas para essas questões, mas, antes de haver um superminis­tro da economia, que tem opiniões fortes sobre câmbio, por exemplo, embora, por formação, seja adepto de BCs independen­tes.

Dúvida 5.

Durante a campanha, Bolsonaro e Lorenzoni haviam criticado a reforma da Previdênci­a de Michel Temer. Logo depois da eleição, Bolsonaro disse que procuraria aprovar alguma coisa da reforma de Temer, já.

Lorenzoni desgostou da ideia em público. Guedes defendeu a ideia em público. O Congresso moribundo e líderes que permanecer­ão disseram que a reforma não passa, por variados motivos. Depois do primeiro encontro do governo de transição, Guedes e Lorenzoni moderaram as opiniões e puseram panos quentes na discórdia.

Que fim levou a ideia de aprovar a reforma Temer? Morreu para este ano? O projeto Temer será envernizad­o e apresentad­o logo no início do ano que vem, enquanto Guedes prepara (ou não) a reinvenção das aposentado­rias do país (criando o sistema de capitaliza­ção)?

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