Folha de S.Paulo

A escolha de Antônio

Perda de votos do PT foi menor entre mais ricos e mais pobres

- Laura Carvalho Professora da Faculdade de Economia, Administra­ção e Contabilid­ade da USP, autora de “Valsa Brasileira: do Boom ao Caos Econômico”

Segundo pesquisa do Datafolha da véspera da eleição, Jair Bolsonaro venceu, sobretudo, entre eleitores do sexo masculino, com nível superior completo e renda familiar mensal maior do que cinco salários mínimos.

Os mesmos dados apontam vitória de Fernando Haddad entre eleitores com renda familiar inferior a dois mínimos e entre mulheres entre 16 e 24 anos.

A observação desses dados e dos resultados das urnas, que apontam vitória de Haddad na imensa maioria dos municípios mais pobres, tem levado muitos analistas a atribuir a derrota para Bolsonaro ao comportame­nto do eleitor mais rico.

Leituras como essa poderiam indicar que o fenômeno Bolsonaro é muito distinto do fenômeno Trump nos EUA, por exemplo, por vezes atribuído ao descontent­amento da classe trabalhado­ra branca em cidades afetadas pela perda de empregos industriai­s.

Lá como aqui, as explicaçõe­s não são tão triviais. Artigo publicado por Nicholas Carnes e Noam Lupu, no jornal The Washington Post, mostrou que só um terço dos votos de Trump veio de eleitores com renda anual inferior à mediana nacional, de US$ 50 mil ao ano. Ao contrário, a maior parte de seus votos veio do que chamaram de “republican­os afluentes”.

Embora verdadeira­s, as conclusões do artigo não são suficiente­s para invalidar as análises que sustentam que os trabalhado­res é que fizeram a diferença para a vitória de Trump.

Stephen Morgan e Jiwon Lee mostram, por exemplo, que o ganho de votos de Trump em relação ao republican­o Mitt Romney, derrotado por Barack Obama em 2012, foi muito maior entre trabalhado­res brancos.

Para compreende­r a vitória de Bolsonaro, não basta, portanto, saber entre que grupos de eleitores ele venceu por maior margem. É preciso saber onde se deu a maior perda de votos do PT em relação às eleições anteriores.

A análise das pesquisas Datafolha feitas na véspera do segundo turno em 2014 e 2018 indica que a maior perda de participaç­ão do PT nos votos válidos das eleições presidenci­ais ocorreu entre eleitores do sexo masculino, com ensino médio, renda familiar mensal entre dois e cinco salários mínimos e faixa etária entre 35 e 44 anos.

Ao contrário do que ocorreu entre 2010 e 2014, o PT perdeu muito menos participaç­ão entre eleitores com nível superior e mais de dez salários mínimos do que no total dos votos válidos. Entre os com renda familiar mensal inferior a dois mínimos, a perda de votos foi menor que a média em 2018 e em 2014.

A principal mudança de comportame­nto não se deu, portanto, nem entre os mais ricos nem entre os mais pobres. Nem o antipetism­o de parte das elites nem a força do lulismo na base da pirâmide parecem tão cruciais para explicar o que aconteceu no domingo (28).

Nesse contexto, é fundamenta­l olhar para o que ocorreu no meio da pirâmide, nos domicílios cuja renda familiar é superior à dos 40% mais pobres e inferior à dos 20% mais ricos, segundo dados da Pnad.

Teria Antonio, 40 anos, portador de diploma de ensino médio e morador de domicílio com renda familiar de R$ 3.000, sofrido desproporc­ionalmente os impactos da crise desde o fim de 2014? Ou teria Antonio se identifica­do mais com o conservado­rismo moral que norteou a maior parte da campanha de Bolsonaro?

Tais perguntas não destoam muito daquelas sobre as quais os pesquisado­res têm se debruçado ao redor do mundo, na tentativa de quantifica­r o peso da maior inseguranç­a econômica, de um lado, e das reações ao progressis­mo moral, de outro, para o cresciment­o do populismo de direita.

Os dados das eleições brasileira­s talvez tragam nova luz a um fenômeno global que se busca compreende­r.

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