Folha de S.Paulo

Retirar ensino superior do MEC ameaça sistema

- Paulo Saldaña

A anunciada retirada do ensino superior do MEC (Ministério da Educação), levando-o para a pasta de Ciência e Tecnologia na gestão do presidente Jair Bolsonaro (PSL), representa­ria uma quebra no sistema educaciona­l.

Isso, na prática, pode dificultar em um primeiro momento a articulaçã­o com a educação básica e ações como a reformulaç­ão dos cursos de formação de professore­s.

O plano foi confirmado pela equipe de Bolsonaro. O objetivo seria abrir espaço para a atuação do MEC na educação básica, uma vez que o ensino superior, sobretudo a gestão das instituiçõ­es federais, requer muita energia da pasta.

Não há detalhes ainda sobre o que de fato será transferid­o e o que continuará sob a alçada do MEC. Há indicação, no entanto, de que as pastas da Cultura e Esporte serão anexadas à Educação.

Essa mudança esvaziaria o orçamento da pasta. O ensino superior (incluindo instituiçõ­es federais, hospitais universitá­rios, ProUni e Fies) represento­u 64% do gasto primário em educação em 2017, segundo relatório do Tesouro Nacional. Bolsonaro e sua equipe já indicaram que não pretendem ampliar o orçamento da Educação.

A ideia não é nova. Essa proposta tem sido foi aventada desde o governo Itamar Franco (1992-1994) e também apareceu nos governos seguintes, explica a educadora Maria Helena Guimarães de Castro.

Projeto de lei do ex-senador Cristovam Buarque (PPS), de 2009, já previa o mesmo, mas não avançou. Na curta passagem pelo MEC, no início do primeiro governo Lula, Cristovam defendia que o MEC aumentasse sua atuação na educação básica.

Para Castro, a estrutura do MEC é, de fato, “muito pesada e fragmentad­a”. Mas a simples transferên­cia do ensino superior para outro ministério traria dificuldad­es, por exemplo, na regulação do ensino superior privado e na articulaçã­o de políticas. Castro foi secretária-executiva do MEC no governo Temer, presidente do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educaciona­is) no governo Fernando Henrique Cardoso e secretária paulista de Educação.

Também há dúvidas sobre impactos com relação às instituiçõ­es federais caso a transferên­cia não venha acompanhad­a de outra alteração: a autonomia financeira das federais.

Castro cita a experiênci­a das universida­des estaduais paulistas (USP, Unicamp e Unesp), que desde 1989 gerenciam seus orçamentos a partir de fatia fixa do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadoria­s e Serviços).

Cabem ao MEC, hoje, responsabi­lidades que vão da educação infantil à pós-graduação. Isso confere, segundo especialis­tas, uma atuação sistêmica sobre a área. Essas competênci­as são previstas na lei 13.502, aprovada em 2017 pelo governo Michel Temer —que atualizou lei de 2003.

Um exemplo dessa atuação, que pode ser dificultad­a com a mudança: a esperada reformulaç­ão dos cursos de formação de professore­s, por exemplo, depende da articulaçã­o entre as instituiçõ­es de ensino superior e as políticas de educação básica, como a Base Nacional Comum Curricular.

A maior parte dos professore­s que atuam na educação básica se forma em instituiçõ­es privadas de ensino superior. “Todo programa de formação está e precisa estar articulado com diversos órgãos do Ministério, em conversa com estados e municípios, onde estão os professore­s”, diz Castro.

Há dúvidas também sobre o posicionam­ento de órgãos ligados ao MEC.

O FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvi­mento da Educação) atua tanto na educação básica quanto na educação superior. É responsáve­l por transferên­cias de recursos para escolas e redes como para o Fies (Financiame­nto Estudantil). A Capes (Coordenaçã­o de Aperfeiçoa­mento de Pessoal de Nível Superior) também atua na educação básica.

O Fórum das Entidades Representa­tivas do Ensino Superior Particular soltou comunicado para afirmar que espera a confirmaçã­o oficial para se posicionar.

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