Após confusão, Câmara adia voto sobre Escola sem Partido
Bate-boca entre manifestantes teve gritos de ‘Bolsonaro’ e ‘Freire, sim, Frota, não’
“O Lula tá preso, babaca”, grita uma mulher empunhando uma bandeira do Brasil. “Chama o exorcista, chama o exorcista”, rebate um coro que segura cartazes com o logo da CUT (Central Única dos Trabalhadores).
A tensão entre manifestantes contrários e favoráveis ao projeto do Escola sem Partido marcou a sessão agendada para esta quarta-feira (31) na Câmara.
A confusão, que durou cerca de uma hora, teve bate-boca de Chico Alencar (PSOL-RJ) e Ivan Valente (PSOL-SP) contra Marco Feliciano (PSC-SP) sobre a ditadura militar brasileira, empurra-empurra na saída do plenário e gritos de “é Bolsonaro” e “Freire sim, Frota, não” —em referência ao educador Paulo Freire e ao deputado eleito pelo PSL Alexandre Frota (SP).
Com a abertura da ordem do dia no plenário, que impede votações em comissão, a votação do parecer favorável ao projeto foi adiada.
O presidente da comissão, Marcos Rogério (DEM-RO), membro da bancada evangélica da Casa e eleito para o Senado em 2018, marcou nova sessão para a próxima semana.
De acordo com ele, caso novos protestos não permitam que a análise do texto avance, a reunião pode ser fechada apenas para parlamentares. “Isso é inconstitucional”, diz a deputada Maria do Rosário (PT-RS), contrária ao projeto.
Chegou a ser proposto um acordo de calendário sem obstrução, que não foi aceito por parlamentares da oposição. A obstrução é um conjunto de instrumentos regimentais que permite protelar a votação de uma matéria. Ele é constituído, por exemplo, pela apresentação de requerimentos ou pela utilização prolongada de tempos de fala.
O Escola sem Partido é um movimento criado em 2004 para combater uma suposta doutrinação de esquerda dos professores nas salas de aula, e que também atingiria livros didáticos.
Encampado pela família Bolsonaro e por aliados do presidente eleito, a proposta é um dos temas que a bancada conservadora do Congresso quer ver avançar na Casa ainda nesta legislatura.
A oposição, por sua vez, quer obstruir a votação do texto até o final do ano.
O projeto que tramita na Câmara e que, se aprovado na comissão especial ainda teria de ser debatido pelo plenário, tem relatoria de Flavinho (PSC-SP).
Ele apresentou um novo texto nesta semana, ampliando, por exemplo, o alcance da lei para todos os materiais didáticos e paradidáticos, e não apenas aos livros, como no texto anterior.
Em seu texto, fica proibido o uso da palavra “gênero” e da expressão “orientação sexual” em sala de aula, mesmo em disciplinas “complementares ou facultativas”.
Além da questão de gênero, a proposta prega o que seria uma “neutralidade” do professor em sala de aula. Pelo texto apresentado, o professor “não fará propaganda político-partidária em sala de aula, nem incitará seus alunos a participarem de manifestações, atos públicos e passeatas”.
Ela prevê ainda que o professor deve respeitar “o direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções”, tendo “os valores de ordem familiar precedência sobre a educação escolar nos aspectos relacionados à educação moral, sexual e religiosa”.
A oposição ao projeto na Câmara classifica as medidas como censura e cerceamento da liberdade de expressão.
Educadores e professores veem ainda um risco de limitação do papel da escola na formação de alunos críticos.
Em março de 2017, o ministro Luís Roberto Barroso (Supremo Tribunal Federal) suspendeu, em decisão liminar, uma lei que criava o programa em Alagoas (no estado, o texto foi batizado como Escola Livre).
Parecer do Ministério Público Federal de oito meses antes já classificara a iniciativa como inconstitucional por, entre outras coisas, impedir o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, negar a liberdade de cátedra e contrariar a laicidade do Estado (por permitir no espaço público da escola visões morais e religiosas particulares).