Marcos Pontes tem os pés no chão e o olhar no horizonte
Pontes é bom administrador, mas resta ver se vai conquistar apoios necessários
Salvador Nogueira Colunista da Folha, cobre o programa espacial do Brasil desde 2000. Seu primeiro livro, “Rumo ao Infinito”, tem prefácio de Marcos Pontes
Na minha opinião, a escolha de Marcos Pontes para o Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações do governo Bolsonaro é boa. Se vai dar certo, claro, são outros 500.
Começando pela primeira parte, por que é boa? Uma combinação de características pessoais e formação específica tornam Pontes um potencial administrador competente da ciência brasileira.
Aliás, é triste notar que muita gente resuma o primeiro (e até agora lamentavelmente único) astronauta brasileiro aos cerca de dez dias que ele passou no espaço em 2006, a um custo de US$ 10 milhões para o governo (uma pechincha para uma missão desse tipo, diga-se de passagem). Nisso, o pessoal esquece tudo que Pontes teve de fazer antes de chegar lá. Eu, como o conheci em 2000, não esqueço.
Não cabe aqui desfilar a biografia do futuro ministro, mas convém dizer que o processo seletivo de astronauta da Nasa é extremamente exigente, e ele foi escolhido não só por sua formação como piloto pela Academia da Força Aérea Brasileira mas por seu currículo acadêmico.
Em razão da época em que treinou, Pontes se tornou proficiente tanto na operação dos ônibus espaciais americanos quanto das naves russas Soiuz, além de treinamento específico para os sistemas da Estação Espacial Internacional.
Contudo, o mais relevante para a discussão é que, durante todo esse período, Pontes se mostrou competente também na principal atividade que cabe a qualquer astronauta. Quando não está em voo espacial — que é, obviamente, a imensa maior parte da carreira — seu trabalho primordial é cuidar de papel. É isso mesmo, astronautas ajudam a gerir o programa espacial.
No Centro Espacial Johnson, em Houston, Texas, quem não está em treinamento para um voo espacial específico recebe tarefas de gerenciamento e aprende a lidar com a burocracia de projetos complexos: orçamentos, reuniões e decisões técnicas, negociações, documentação, acompanhamento e implementação, do desenho inicial à conclusão.
Em seu período como astronauta ativo da Nasa, Pontes passou boa parte do tempo servindo não só como interface entre a Agência Espacial Brasileira e o programa da Estação Espacial Internacional (osso duro de roer para ele, dada a falta de respaldo que o governo brasileiro dava à iniciativa), mas também como representante da Nasa em outras partes do programa.
Um dos trabalhos que a agência americana designou a ele foi servir como ponto de contato na cooperação entre americanos e japoneses para o desenvolvimento, a integração e os testes do módulo laboratório japonês Kibo.
Nessa, Pontes ganhou não só uma vivência de burocracia grande (spoiler: ele vai lidar com burocracia em Brasília), como aprendeu muito sobre diversas culturas e experiências internacionais, lidando com projetos de porte bilionário. É, em essência, o que ele terá de fazer agora, como ministro, para o Brasil.
A carreira de astronauta exige uma mente analítica, a capacidade de identificar e solucionar problemas e de “guardar na cabeça” sistemas complexos, além de exigir tomada de decisões cruciais por vezes em fração de segundos.
Fossem meros apertadores de botão, como às vezes quem desdenha dos astronautas gosta de retratá-los, não estariam tão frequentemente em posições de destaque nas administrações de seus respectivos países. Neste momento, por exemplo, o astronauta Pedro Duque, com currículo e carreira similares aos de Pontes, é o ministro da Ciência, Inovação e Universidades da Espanha. Charlie Bolden, administrador da Nasa durante toda a presidência de Barack Obama, foi astronauta.
Pontes, por sua vez, é obstinado e pensa fora da caixa, qualidades essenciais para costurar soluções criativas em momentos de aperto orçamentário como o atual. Ele tem os pés no chão e o olhar no horizonte, características para construir o futuro da ciência nacional em meio às ruínas que hoje se apresentam.
Agora, óbvio que pode não dar certo. Há certas habilidades que serão exigidas dele que não foram colocadas à prova. Uma delas é a de dialogar com a própria academia.
Não estamos falando de alguém cujas credenciais estejam expostas num currículo Lattes ou que tenha dezenas de trabalhos de alto impacto publicados. Nesse sentido, será recebido com desconfiança pela comunidade científica, como um “outsider”.
Outro aspecto, talvez mais complicado, é o jogo travado em Brasília, entre os agentes políticos. Quem já conhece os meandros do Congresso e da administração pública brasileira teria em tese mais cancha para conquistar os apoios necessários e conquistar um orçamento mais robusto para nosso combalido sistema de ciência, tecnologia e inovação. Não é o caso dele.
E essa dúvida é dupla: não é só se Pontes conseguirá trafegar de forma eficiente pelo sistema político, produzindo as influências necessárias para que ocorra o aporte suficiente de recursos, mas também sobre que tipo de política será travada por lá a partir de 2019, num momento em que as forças parecem se deslocar dos partidos para bancadas difusas com agendas que não só não têm como prioridade o desenvolvimento científico nacional como às vezes contribuem para sabotá-lo.
Isso cria dúvidas sobre o tamanho do sucesso que o astronauta brasileiro poderá ter na Esplanada dos Ministérios. Mas são problemas que podem ser superados se o governo de fato enxergar o setor como estratégico. É questão de pagar para ver.
No mais, convenhamos: um ônibus espacial tem quase tantas engrenagens quanto a política brasileira.