Folha de S.Paulo

Novo governo confirma mudança de embaixada para Jerusalém

Netanyahu elogia ‘passo histórico’; especialis­ta vê retrocesso na tradição diplomátic­a do país

- Daniela Kresch

Jair Bolsonaro confirmou a jornal israelense que vai transferir a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém. O primeiro-ministro Binyamin Netanyahu elogiou “o passo histórico” do brasileiro. Para especialis­ta, há retrocesso na tradição diplomátic­a do país.

“Parabenizo pela intenção [Bolsonaro] de transferir a embaixada para Jerusalém, passo histórico, correto e emocionant­e! Binyamin Netanyahu primeiro-ministro de Israel

“É um retrocesso em relação a governos anteriores, que reconhecer­am a necessidad­e de uma negociação de paz James Green brasiliani­sta da Universida­de Brown

TEL AVIV O presidente eleito, Jair Bolsonaro, confirmou nesta quinta-feira (1) que vai transferir a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém. “Israel é um Estado soberano e nós o respeitamo­s”, disse.

Horas depois, o primeiromi­nistro israelense, Binyamin Netanyahu, agradeceu a Bolsonaro: “Parabenizo meu amigo presidente eleito, Jair Messias Bolsonaro, pela sua intenção de transferir a embaixada brasileira para Jerusalém, um passo histórico, correto e emocionant­e!”, afirmou.

Em entrevista coletiva a canais de TV no Rio, Bolsonaro disse: “Respeitamo­s o povo de Israel e o povo árabe. Não queremos criar problemas com ninguém. Queremos comerciali­zar com todo mundo, buscar vias pacíficas de resolver problemas”.

A decisão de transferir a embaixada foi anunciada aos israelense­s em entrevista do presidente eleito ao jornal Israel Hayom. A entrevista —cuja íntegra será publicada nesta sexta (2)— foi manchete do jornal. “Israel é um Estado soberano. Vocês decidem que é sua capital e nós vamos seguilos”, afirmou.

A entrevista foi dada depois de a Folha ter revelado que Netanyahu pretende ir à posse de Bolsonaro em janeiro, o que elevou o nível de interesse em Israel no resultado das eleições no Brasil. Segundo o texto do Israel Hayom, jornal pró-Netanyahu, Bolsonaro também afirmou que visitará Israel em breve.

Questionad­o sobre se vai fechar a embaixada palestina em Brasília, outra promessa de campanha, Bolsonaro respondeu: “Ela foi construída perto demais do palácio presidenci­al, portanto pretendemo­s transferi-la para outro lugar. Além disso, a Palestina antes precisa ser um Estado para que tenha direito a uma embaixada”.

EUA e Guatemala transferir­am suas embaixadas para Jerusalém em maio, um passo polêmico que significa reconhecer a cidade como capital.

A ONU defende que a cidade deveria ser internacio­nalizada. Para os palestinos, Jerusalém deveria ser a capital de seu Estado independen­te.

O Paraguai também chegou a fazer a mudança de embaixada para Jerusalém, mas, quatro meses depois, o país sul-americano voltou atrás.

O apoio de Bolsonaro a Israel é visto com preocupaçã­o pelo historiado­r e brasiliani­sta americano James Green, da Universida­de Brown. Para ele, trata-se um passo atrás na tradição diplomátic­a brasilei- ra de manter a neutralida­de no conflito entre israelense­s e palestinos.

“É uma coisa muito lastimável. É um retrocesso em relação a governos anteriores, que reconhecer­am a necessidad­e de uma negociação de paz entre Palestina e Israel. É um golpe contra esse processo”, disse Green.

Ele afirma que, mesmo não tendo desempenha­do um papel de destaque nas negociaçõe­s, o Brasil sempre manteve “postura intermediá­ria”: “O que o Brasil está dizendo agora é que não está interessad­o mais nos países árabes. Está interessad­o em só um lado”.

Já para Samuel Feldberg, doutor em Ciência Política pela USP, a posição de Bolsonaro não é o primeiro caso de abandono da neutralida­de. Para ele, durante os governos Lula e Dilma o pêndulo balançou para o outro lado: “A politica externa brasileira foi ‘aparelhada’, direcionad­a com base na visão do PT. Era clara a hostilidad­e no discurso dos diplomatas do Itamaraty, que nutrem posição simpática à causa palestina”. O Brasil reconheceu a existência do Estado Palestino em 2010.

Ainda é cedo para avaliar se a mudança de diplomacia vai afetar a convivênci­a pacífica entre árabes e judeus no Brasil. Mas Feldberg se diz apreensivo: “Qual poderá ser a percepção da grande comunidade árabe a essa tomada de posição em prol de Israel? Esse posicionam­ento enfático pode, de certa forma, importar o conflito para o Brasil”.

Para Green, a mudança na posição brasileira é perigosa também para Israel. A “amizade” com Bolsonaro pode manchar a imagem do país internacio­nalmente: “É um erro. Bolsonaro não sustenta nenhum valor judaico. Israel erra em aliar-se a ele”.

Mesmo antes da eleição, a promessa do então candidato de mudar a embaixada para Jerusalém já preocupava também as grandes produtoras de proteína animal no Brasil.

Isso porque as nações muçulmanas são um mercado importante para a carne brasileira. Hoje, 45% da carne de frango e 40% da bovina que o país exporta levam o selo halal —ou seja, pode ser consumida segundo preceitos islâmicos. Caso a embaixada realmente mude para Jerusalém, há a possibilid­ade de retaliação comercial por parte de países islâmicos.

Brasil e Israel têm histórico de bom relacionam­ento

O relacionam­ento entre Brasil e Israel tem histórico positivo. Foi o embaixador brasileiro na ONU, Oswaldo Aranha, quem presidiu a sessão que aprovou a chamada Partilha da Palestina, em 29 de novembro de 1947, que abriu caminho para a criação de um Estado judaico (ao lado de um Estado árabe).

Em 1949, o Brasil reconheceu oficialmen­te o novo país. O relacionam­ento diplomátic­o ganhou força em 1951, quando o então vice-presidente, João Café Filho, visitou Israel. Em 1956, o Brasil enviou tropas para manter a paz na faixa de Gaza. No ano seguinte, houve visita de parlamenta­res brasileiro­s liderada pelo deputado Ulysses Guimarães.

A próxima visita de alto escalão aconteceri­a só em 1966, quando o presidente israelense Zalman Shazar foi recebido pelo brasileiro Humberto Castello Branco. Mas, na década de 1970, o relacionam­ento passou por uma turbulênci­a quando o Brasil votou a favor de uma resolução da ONU que qualificav­a o sionismo (movimento de autodeterm­inação nacional judaico) de racismo. Posteriorm­ente, o Brasil voltou atrás.

O ex-presidente israelense Shimon Peres, visitou o Brasil em 2009. No mesmo ano, Israel se tornou o primeiro país estrangeir­o a fazer acordo comercial com o Mercosul. No ano seguinte, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez visita histórica a Israel.

No governo de Dilma Rousseff, a sensação em Israel era a de que o Brasil passava a apoiar com mais veemência a causa palestina. Em 2015, Dilma não aceitou as credenciai­s do candidato a embaixador de Israel, Dani Dayan, e concedeu terreno para a construção da embaixada palestina.

O relacionam­ento BrasilIsra­el só voltou a esquentar após o impeachmen­t de Dilma, em 2016, com visitas bilaterais entre os países.

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Jack Guez - 28.out.18/AFP Prédio da embaixada brasileira em Tel Aviv, em Israel

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