Folha de S.Paulo

Bolsonaro é uma criação do PT?

- Hélio Schwartsma­n helio@uol.com.br

Para responder à pergunta do título, precisamos explorar um pouco a cadeia da causalidad­e. Tudo tem causas proximais e distais. Quando eu digo que o vírus provocou a doença no paciente, estou me referindo à causa mais imediata. Mas, se eu quiser ser mais abrangente, poderia mencionar também causas mais remotas, como as comorbidad­es de que ele padecia e fragilizav­am seu sistema imune e até seus péssimos hábitos de higiene, que acabaram facilitand­o a entrada do vírus.

Para fazer jus ao título de “criador”, o agente precisa ser causa imediata ou pode estar um pouco mais afastado na cadeia? É fácil ver que as posições extremas levam a paradoxos. Se eu for muito rigoroso ao exigir que a causa seja imediata, teria de inocentar o pistoleiro que erra o tiro disparado contra a vítima, mas a faz sair em disparada pelas ruas e ela morre atropelada.

Se for excessivam­ente liberal, teria de responsabi­lizar o Big Bang por todos os problemas do mundo. Foi, ele, afinal que gerou a matéria —e não há nada que classifiqu­emos como problema que não envolva átomos.

Voltando a Bolsonaro, dá para dizer que ele é uma criação do PT? O partido de Lula, embora seja um cofator relevante do fenômeno Bolsonaro, não é obviamente sua causa imediata. Eu diria que qualquer um que pretenda fornecer uma explicação minimament­e completa da eleição de 2018 terá obrigatori­amente de apontar os muitos erros cometidos pelo PT que contribuír­am para a ascensão do futuro presidente, mas me parece um exagero atribuir ao partido a paternidad­e exclusiva da encrenca. Muitos outros elementos também interviera­m, como as hesitações dos tucanos e a competente utilização das redes sociais pela campanha de Bolsonaro.

No final das contas, a causa imediata da eleição do capitão reformado foi o fato de que ele obteve o voto da maioria dos eleitores. É o que acontece nas democracia­s, para o bem e para o mal.

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