Folha de S.Paulo

Para compensar baixa natalidade Chile precisa de migração, diz diretor

Responsáve­l por Assuntos Consulares nega que país queira barrar estrangeir­os com nova lei

- Flávia Mantovani Mario Télle z-3. mai.18/La Tercera

O Chile precisa de imigrantes para ocupar postos de trabalho e até vagas em escolas infantis ociosas devido à baixa taxa de natalidade no país, afirma o diretor-geral de Assuntos Consulares e de Imigração do governo.

Em visita recente a São Paulo, Raúl Sanhueza defendeu a reforma migratória que está em discussão no Congresso e negou que a proposta tenha a intenção de barrar imigrantes, como dizem críticos. Falou ainda sobre o visto especial para venezuelan­os criado em abril e revelou que o governo estuda aceitar passaporte­s vencidos desses imigrantes.

A reforma, apresentad­a pelo presidente Sebastián Piñera, substitui uma lei de 1975. Até agora, era possível entrar no país com visto de turista e lá pedir a residência. Com a mudança, os trâmites para residência terão que ocorrer antes de chegar ao Chile.

O projeto foi apresentad­o em meio ao forte aumento da migração. Em quatro anos, o número de estrangeir­os no Chile mais do que dobrou, chegando a 1,2 milhão —o país tem 18 milhões de habitantes.

A nova lei precisa ser aprovada pelo Congresso, mas algumas medidas já estão em vigor, como o visto para venezuelan­os, que tem que ser pedido aos consulados do Chile dentro da Venezuela, e a regulariza­ção de estrangeir­os sem documentos que já vivem no país —dos 300 mil que estão nessa situação, 200 mil já participar­am, afirma o diretor.

Até agora, os imigrantes podiam pedir a residência no Chile já estando no país. Por que decidiram mudar?

A lei era muito antiga, e tivemos uma onda migratória muito grande. De cada quatro imigrantes que vivem no Chile, três entraram nos últimos quatro anos. O que estamos tentando fazer é que as pessoas entrem cumprindo os requisitos.

No Chile, temos um sistema único de documentaç­ão, um só número que serve para tudo: identidade, serviço militar, carteira de motorista, passaporte, previdênci­a. Isso é ótimo para os que estamos dentro, mas, se você não tem esse número, não pode fazer nada: trabalhar, alugar casa, ter conta em banco.

Quem entrava como turista demorava oito ou nove meses para receber o número. O propósito da reforma é que o imigrante receba esse número rapidament­e, em duas semanas, desde que já declare que quer morar no Chile antes de chegar. Sem o documento, a pessoa ficava um longo tempo em situação de vulnerabil­idade.

A reforma dificulta a ida de imigrantes ao país?

Não se trata de fechar o país, mas de organizar. Até porque temos um problema demográfic­o importante: não estamos repondo a população, portanto, precisamos do imigrante. A taxa de reposição popu- lacional deve ser de 2,1 filhos por mulher, enquanto a nossa é de 1,2.

Por isso, a chegada dos imigrantes não sobrecarre­gou o sistema escolar. As crianças estrangeir­as ocupam vagas que estavam ociosas. Há colégios com 60% a 70% de alunos imigrantes. A educação pública sobrevive por causa deles. Se não fosse isso, teríamos que fechar escolas.

E temos áreas da economia que funcionam graças aos imigrantes, como a agricultur­a. Em algumas cidades do interior, a saúde pública só funciona por causa dos médicos estrangeir­os.

Temos um problema de falta de mão de obra qualificad­a e não qualificad­a. E a única forma de de repor isso é pela imigração.

O Chile colocou barreiras à entrada de venezuelan­os?

Pelo contrário. O visto de responsabi­lidade democrátic­a é extraordin­ariamente fácil de obter. Se outro estrangeir­o quer vir para o Chile, tem que apresentar certificad­o de saúde e de suficiênci­a econômica. Dos venezuelan­os só exigimos certificad­o de antecedent­es penais.

Mas exige-se passaporte válido por 18 meses, quando muitos venezuelan­os têm dificuldad­e de obter o documento. Reduzimos esse tempo, agora a validade precisa ser de 12 meses. E agora estamos estudando o tema dos passaporte­s vencidos. Temos que ver como faremos do ponto de vista técnico, mas a vontade política existe.

O número de venezuelan­os entrando no Chile diminuiu com o novo visto?

O objetivo não é que diminua. Queremos que venham todos os venezuelan­os que desejem, mas que entrem ordenadame­nte e possam obter seus documentos rápido.

Foram cerca de 12 mil [desde a mudança]. Devemos terminar o ano com a Venezuela sendo o primeiro país de origem dos imigrantes no Chile. Até dezembro, estimamos que 200 mil vivam no país.

Quanto tempo leva para que um venezuelan­o consiga o novo visto?

Ao redor de um mês e meio. Mas é uma questão física. Aumentamos nosso pessoal nos consulados Caracas e Puerto Ordaz, mas não conseguimo­s emitir mais do que 100, 200 vistos por dia.

Em Roraima, houve alguns ataques xenofóbico­s contra venezuelan­os. O Chile teve problemas parecidos?

Não acredito que os brasileiro­s, que são um país de imigrantes, sejam xenófobos. Acho que estão incomodado­s por causa do impacto numérico.

Uma comunidade de acolhida tem direito de não ter sua vida afetada pela chegada massiva de pessoas. Pensar que há xenofobia é pensar que há uma ideologia por trás.

No Chile, é a mesma coisa. O impacto maior é nos sistemas de saúde, já sobrecarre­gados por causa do envelhecim­ento da população.

O número de brasileiro­s no Chile tem aumentado?

Temos 10 mil a 15 mil brasileiro­s morando no Chile, muitos devido a casamentos mistos ou funções empresaria­is. Mas vemos dois fenômenos interessan­tes.

Um é o aumento do número de estudantes e outro, de turistas. Inclusive estão sendo lançados novos voos. Todos os anos, de 300 a 400 mil brasileiro­s vão ao Chile de férias.

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Imigrantes venezuelan­os esperam em ginásio de Santiago, n oC hile, para serem atendidos em programa de regulariza­ção migratória

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