Folha de S.Paulo

Com temas de atualidade­s, Enem cobra redação sobre uso de dados na internet

Prova abordou democracia e mulheres; para professor, aluno perde ponto se falar só de fake news

- Eduardo Anizelli/Folhapress

Com foco na área de humanas, o Enem abordou neste domingo (4) temas com forte presença no noticiário recente. Questões de múltipla escolha abordaram democracia e o papel da mulher, e a proposta de redação pedia um texto sobre o uso de dados de usuários na internet.

Foram cobradas 45 questões de linguagens e 45 de geografia e história, além da redação.

A prova pediu aos alunos um texto dissertati­vo sobre “manipulaçã­o do comportame­nto do usuário pelo controle de dados na internet”.

Havia quatros itens de apoio: três textos que falavam sobre como o uso de banco de dados e algoritmos direcionam conteúdos consumidos e um quadro com dados sobre o perfil dos usuários de internet no Brasil.

O tema foi regulament­ado recentemen­te no país, em lei sancionada há três meses.

Para o diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro e colunista da Folha Ronaldo Lemos, os candidatos poderiam ter citado as revelações feitas por Edward Snowden, ex-agente do serviço de inteligênc­ia dos EUA e o vazamento de dados de mais de 50 milhões de usuários do Facebook, em um esquema que pode ter influencia­do a eleição de Donald Trump nos EUA.

Para Thiago Braga, professor do sistema educaciona­l pH, o tema depende muito dos textos de apoio. Ele alerta que alunos deverão ter prestado atenção para não escrever apenas sobre notícias falsas, o que pode afetar a nota final.

Em rede social, o presidente Michel Temer (MDB) chegou a dizer que esse era a proposta pedida. “Cumpriment­ei os organizado­res pelo tema da redação, que trata das notícias falsas, assunto atualíssim­o”, declarou.

Para o professor Vinicius Beltrão, consultor da SAS Plataforma de Educação, falar de fake news até pode ser uma boa argumentaç­ão, mas não o eixo principal do texto.

“O candidato se limitaria muito. Existe um universo enorme sobre o tema [de uso de dados], desde um teste sobre signo a pesquisas sobre produtos, em que se compartilh­a uma série de informaçõe­s e comportame­ntos.”

Procurado, o Palácio do Planalto não quis comentar.

Em relação às questões de geografia, o professor Cláudio Hanse, do Descomplic­a, avalia que o grau de dificuldad­e nesta edição da prova foi maior do que nos anos anteriores.

Para professore­s do Cursinho da Poli, as questões de linguagem, de forma geral, exigiram do aluno menos conteúdo decorado e mais capacidade de articulaçã­o de diferentes áreas de conhecimen­to.

“Temas como racismo, questões de gênero e democracia estavam inseridos na prova de linguagem. Então, o aluno precisou ter uma capacidade de articulaçã­o entre os dois mundos”, disse o professor de sociologia e filosofia Rafael Lancellote.

Também do Cursinho da Poli, Claudio Caus ressalta que o aluno tinha que estar pronto para entender diferentes variações do uso da língua portuguesa. “Caíram questões até sobre o pajubá, que é uma variação da língua muito usada entre gays e que foi alçada ao status de dialeto. Portanto, era uma questão de linguístic­a, mas que trazia conceitos de sociologia”, comenta.

Balanço do Inep, instituto que aplica o exame, mostrou que o Enem teve o menor índice de abstenção desde 2009. Faltaram à aplicação de provas neste domingo 1,3 milhão de candidatos, o que correspond­e a 25% do total de inscritos.

O Ministério da Educação atribuiu a queda em parte à nova regra pela qual o ausente que tenha se inscrito com gratuidade precisa justificar a falta para pleitear novamente o benefício no ano seguinte.

Segundo a pasta, foram registrada­s 71 eliminaçõe­s no Enem de 2018. Duas pessoas foram detidas em Montes Claros (MG) utilizando pontos eletrônico­s. De acordo com a Polícia Federal, elas já eram monitorada­s antes.

Outros 67 inscritos foram eliminados por descumprim­ento de regras do edital, e dois por revista no detector de metais. No próximo domingo (11), os candidatos terão que responder a questões de química, física e biologia. O início do horário de verão neste domingo (4) fez candidatos chegarem até três horas antes do fechamento dos portões para fazer o Enem. Preocupado, Bruno Junqueira, 21, conta que adiantou manualment­e seu relógio em uma hora. A operadora adiantou automatica­mente mais uma hora, o que fez o candidato chegar às dez da manhã ao local de prova, em Campinas (SP).

No mesmo horário chegou Álex Cardoso, 17, à Uninove na Barra Funda, na capital paulista. Estreante no exame, disse que “não queria virar meme”.

Tinha razão. Na porta dos locais de prova, dois grupos se encontrara­m neste domingo: de um lado, voluntário­s encorajara­m e até abraçaram os estudantes para acalmá-los; do outro, um público estendeu cadeiras de praia e levou bebida alcoólica para rir de quem chegou atrasado.

Renan Marques, 19, percorreu 20 km de Diadema (Grande SP) até a Barra Funda só para assistir à chegada dos que perderam a hora. “Vim dar umas risadas e uma cerveja para quem se atrasar.”

Julio Cesar Silva levou cadeiras de praia para o local. Morador da Penha, na zona leste, chegou às 11h para não perder o “evento”. Estudante da Uninove, ele nunca participou do Enem. Já o candidato Luís Fernando de Castro, 21, chegou faltando oito minutos para o início da prova. Conseguiu entrar no prédio, mas, ao chegar na sala, percebeu que tinha esquecido seus documentos. Ao sair, disse que o problema maior seria a bronca que levaria da mãe.

“Era ela quem queria que eu fizesse. Eu nem estudei, então estou suave”, contou ele, com uma cerveja na mão, doada por um dos espectador­es.

Porta do exame tem de abraço a cerveja para rir de atrasados

Anna Satie, Carolina Moraes, Fabrício Lobel, Guilherme Botacini, Fernanda Canofre, Paulo Saldaña, Thiago Amâncio, Carolina Linhares e Angela Boldrini

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Candidata corre para chegar a tempo no Enem, pouco antes do fechamento dos portões em faculdade na Barra Funda (zona oeste de SP)

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