Folha de S.Paulo

Bolsonaro não é a volta dos militares, afirma Villas Bôas

Segundo chefe do Exército, eleito é ‘muito mais um político’, mas influência sobre quartéis preocupa

- Igor Gielow

A chegada do capitão reformado Jair Bolsonaro (PSL) à Presidênci­a não representa a volta dos militares ao comando do país, afirma o general Eduardo Villas Bôas, 67, comandante do Exército, em entrevista a Igor Gielow.

“A imagem dele como militar vem de fora. Ele é muito mais um político”, diz. “Estamos tratando com muito cuidado essa interpreta­ção de que a eleição representa a volta dos militares ao poder. Absolutame­nte não é.”

Para ele, o Exército se preocupa, contudo, com o risco de politizaçã­o dos quartéis.

Por isso, pretende estabelece­r uma linha divisória entre instituiçã­o e governo.

“Militares foram eleitos, outros fazem parte da equipe dele [Bolsonaro], mas institucio­nalmente há a separação. Estamos trabalhand­o para caracteriz­ar isso, evitar que a política entre novamente nos quartéis.”

Sobre texto na véspera do julgamento de habeas corpus do ex-presidente Lula no STF, na qual repudiava a impunidade, diz que agiu “no limite”. “A coisa poderia fugir ao nosso controle se não me expressass­e.”

O Exército está preocupado com o risco de politizaçã­o dos quartéis na esteira da eleição do capitão reformado Jair Bolsonaro (PSL) à Presidênci­a. Seu comandante, general Eduardo Villas Bôas, quer estabelece­r uma linha divisória entre instituiçã­o e governo.

“A imagem dele como militar vem de fora. Ele é muito mais um político. Estamos tratando com muito cuidado essa interpreta­ção de que a eleição dele representa uma volta dos militares ao poder. Absolutame­nte não é”, disse, em entrevista à Folha no QuartelGen­eral do Exército.

O militar, que completou 67 anos na quarta (7), falou sobre a “inevitável associação” entre Exército e o novo governo e sobre a possibilid­ade de “ideias serem personaliz­adas” nos quarteis —um eufemismo para quebra de hierarquia.

Considera o risco baixo, mas diz estar atento. Descarta riscos à democracia pelo voluntaris­mo do presidente eleito.

Villas Bôas revisita o turbulento período político de seu comando, iniciado em 2015, e diz ter agido “no limite” quando publicou no Twitter mensagens na véspera do julgamento de habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 3 de abril.

Ali, sua “preocupaçã­o com a impunidade” foi vista como ameaça velada ao STF, o que nega. Hoje, o general considera o saldo do episódio positivo.

Fragilizad­o fisicament­e por uma doença degenerati­va do neurônio motor, ele falou de forma pausada e com auxílio de respirador por mais de uma hora. Deixará o comando, assim como os chefes das outras Forças, com o novo governo.

Faz consideraç­ões sobre o papel dos militares na segurança pública, para ele agora “segurança nacional”, dada a gravidade da situação. “Vai ter de participar”, disse.

O sr. esteve com o presidente na terça (6). Como foi a conversa? Era mais uma visita de cortesia. Tivemos uns dez minutos de conversas específica­s. Aqui no Exército será alguém da turma dele, e os quatro generais mais antigos são da turma dele. Sugeri que colocasse um civil na Defesa. Com o ministério com tantos militares, teria um equilíbrio interessan­te. Mas ele insistiu que fosse um oficial-general de quatro estrelas.

Eu sugeri que o general [da reserva Augusto] Heleno fosse para o GSI [Gabinete de Segurança Institucio­nal], e ele já estava com essa ideia na cabeça.

Daí falamos um pouco sobre política externa, questionei quem eles tinham em mente para o Itamaraty. Achei curioso, eles estavam em um nível bem superficia­l, com vários nomes, inclusive de pessoas que eles não conheciam e estavam prospectan­do.

Senti que em alguns setores eles estão com a coisa bem definida, e em outros, ao contrário, estão tateando.

Bolsonaro é o primeiro militar eleito pelo voto direto desde 1945, é o primeiro no poder desde o fim da ditadura. Como

o Exército vê um membro de seus quadros hoje na Presidênci­a? A imagem de Bolsonaro como militar é uma imagem que vem de fora. Ele saiu do Exército em 1988. Ele é muito mais um político.

Ele foi muito hábil quando saiu para se candidatar a vereador, passou a gravitar em torno dos quartéis, explorando questões que diziam ao dia a dia dos militares. Ele nunca se envolveu com questões estruturai­s da defesa do país. Mas aí criou-se essa imagem de que ele é um militar.

Estamos tratando com muito cuidado essa interpreta­ção de que a eleição dele representa uma volta dos militares ao poder. Absolutame­nte não é.

Alguns militares foram eleitos, outros fazem parte da equipe dele, mas institucio­nalmente há uma separação.

E nós estamos trabalhand­o com muita ênfase para caracteriz­ar isso, porque queremos evitar que a política entre novamente nos quartéis.

A rigor, desde 1977 [quando Ernesto Geisel demitiu o ministro do Exército, enquadrand­o a linha-dura] ela está fora. Isso para nós é essencial.

Vocês identifica­m algum risco de isso acontecer? Uma coisa é o ambiente aqui, entre oficiais de quatro estrelas, mas o risco não é maior lá embaixo, de haver uma empolgação com a persona militarist­a do presidente? Hoje as Forças Armadas estão muito afastadas das questões políticas no dia a dia. Mas não há dúvida de que há um risco de ideias serem personaliz­adas. De um fulano trabalhar por aumen-

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Roberto de Oliveira/Folhapress
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