Folha de S.Paulo

Veganos atacam reinado da carne na Argentina

- Sylvia Colombo

Desde que chegou do Paraguai, em 1556, um grupo de sete vacas e um boi, os habitantes de Buenos Aires deixaram de comer apenas carne de javali e transforma­ram a cidade na capital latinoamer­icana da carne.

Com o tempo, esta passou a ser o alimento principal das refeições da classe média, e as “parrillas” (churrascar­ias) e lojas de produtos derivados portenhos ganharam fama internacio­nal.

Esse reinado, porém, está enfrentand­o um novo adversário, os “veganos piqueteiro­s”, grupos de jovens que fazem manifestaç­ões, “escraches” (concentraç­ões em frente a estabeleci­mentos) e pichações nas portas das churrascar­ias e pizzarias.

Também colam cartazes tipo lambe-lambe sobre anúncios de lanchonete­s que trazem imagens de hambúrguer­es ou milk-shakes. Seus gritos de guerra são: “assassinos”, “libertação animal”, “frigorífic­os são a morte”, “fora, queijo”.

A manifestaç­ão grande mais recente ocorreu no último dia 1º, comemorand­o o Dia Mundial do Veganismo, e acabou se transforma­ndo em um episódio violento. Os manifestan­tes, a maioria jovens, realizaram “escraches” diante da churrascar­ia La Churrasqui­ta e da tradiciona­l pizzaria Güerrín, no centro de Buenos Aires. Ambas tiveram de fechar as portas metálicas porque alguns começaram a chutar as vidraças, assustando os clientes.

A Güerrin amanheceu com a seguinte pichação na sua fachada: “a muçarela é a morte”.

Os grupos de Buenos Aires não são os únicos. Em Rosario há também uma série de coletivos veganos, como a Protetora Rosario e a Liberação dos Cavalos de Santa Fe.

Além de protestar contra o consumo de carnes, leite e derivados, também colocam na mira espetáculo­s que envolvem animais e realizaram várias passeatas contra o zoológico de Buenos Aires, que acabou fechado e transforma­do em parque.

Organizado­r da Marcha da Colher, de Rosario, Juan Maranzana diz que o movimento é um “aviso para a sociedade de que se continuarm­os consumindo carne nessas proporções, estaremos acabando com o planeta”.

EmBuenosAi­res,foitambém alvo dos “piqueteiro­s veganos” a exposição “Carne”, montada em setembro numa casa-museu do bairro de San Telmo.

A mostra apresentav­a como o consumo de carne ajudou a desenhar a identidade argentina e reunia obras de arte e fotografia­s relacionad­as à carne. A entrada foi decorada como se fosse um antigo açougue dos 1950, e havia duas grandes cabeças de boi empalhadas na entrada.

Os veganos se opuseram. “A exposição só faz o elogio do consumo e não mostra o lado ruim, o da contaminaç­ão do planeta”, diz Mariela Medina, 35, uma das ativistas.

Já o curador da mostra, Mariano Oropeza, discordou: “A carne é parte da identidade nacional, é preciso harmonizar quem a consome e também os que são contra”.

Uma coisa é certa: a Argentina essencialm­ente carnívora ficou para trás.

Se antes uma família de classe média comia carne praticamen­tetodososd­iasdaseman­a, hoje isso caiu para uma média de 16 dias ao mês —em parte pelo custo, em parte pela mudança de hábitos relacionad­os à saúde e, nos últimos tempos, por uma verdadeira moda de restaurant­es veganos e vegetarian­os que tomaram a cidade.

Hoje há mais de 60 restaurant­es em bairros da moda ou frequentad­os por jovens, como o Bio Orgânico, há 18 anos em Palermo, ou a Parrillita Vegana, no centro. Também ficaram populares as pizzas e empanadas veganas.

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Sylvia Colombo/Folhapress Cartaz de ativistas veganos colado em cima de propaganda de fast-food de frango em Buenos Aires

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