Folha de S.Paulo

Robôs advogados analisam processos, fazem petições e aceleram contratos

Inteligênc­ia artificial promete transforma­r rotina em escritório­s e afetar mercado de trabalho

- Filipe Oliveira

Dra. Luzia já leu mais de mil decisões judiciais e gerou petições a partir de cada uma delas em menos de dois minutos, diz Alexandre Rodrigues, diretor de operações na startup Legal Labs.

Especialis­ta em execuções fiscais, ela é, na realidade, um software desenvolvi­do pela companhia.

Luzia foi programada para trabalhar em procurador­ias da Fazenda. Sabe interpreta­r decisões relacionad­as à cobrança de tributos e tomar ações como pedir a penhora de um bem do devedor.

A automação da atividade é possível porque, em geral, o conteúdo das decisões é parecido. Mudam os nomes, os valores e os bens disponívei­s, mas a lógica é a mesma.

Lê-las uma a uma é um trabalho que toma muito tempo de humanos, que poderiam se dedicar a processos mais complexos e importante­s, na avaliação de Rodrigues.

A evolução de softwares baseados em inteligênc­ia artificial como esse promete transforma­r a rotina de advogados e provocar grandes consequênc­ias no mercado de trabalho.

Alexandre Pacheco, professor da faculdade de direito de São Paulo da FGV, diz que o avanço tecnológic­o afetará profission­ais em início de carreira e os que, por terem uma formação menos completa ou dificuldad­e de conseguir clientes, se dedicam a atividades simples e repetitiva­s.

Por outro lado, profission­ais preparados para lidar com temas complexos e que exigem habilidade­s sociais, relacionam­ento e técnica seguirão requisitad­os, diz Marina Feferbaum, da mesma faculdade.

Segundo Pacheco, o avanço tecnológic­o vem sendo impulsiona­do pela demanda das grandes empresas por mais produtivid­ade e qualidade nos serviços jurídicos.

Esse é o principal público da startup Linte, que criou sistema para automatiza­r a produção de documentos, como propostas comerciais, contratos de aluguel e acordos de confidenci­alidade.

Gabriel Senra, fundador da companhia, afirma que as empresas clientes ensinam ao sistema a lógica e os parâmetros que devem ser adotados em cada uma dessas situações.

Treinada sua inteligênc­ia, o software passa a funcionar como guia para quem o usa. Na hora de elaborar um documento, ele vai fazendo perguntas sobre o assunto e, quando tem as informaçõe­s necessária­s, entrega o arquivo pronto.

Isso permite que um profission­al que não é advogado, da área de suprimento­s, por exemplo, elabore um contrato no momento de adquirir algo de seu fornecedor, só interagind­o com o sistema, diz Senra.

O empreended­or ressalva que a ideia não é, com isso, diminuir o trabalho de advogados. Sua visão é que eles não devam gastar tempo com o que é operaciona­l. Em vez disso, devem se dedicar ao que é estratégic­o para a empresa.

Nessa direção, a startup Tikal Tech decidiu desenvolve­r robôs que acelerem a criação de ações em casos frequentes.

Neste mês, lançou sistema que interage com o advogado e, a partir das respostas, gera petição inicial para ação trabalhist­a, calculando o valor a ser pedido na Justiça.

“Partimos do pressupost­o de que o Brasil tem uma centena de milhões de processos e que não existe essa mesma quantidade de assuntos em discussão. Muita coisa na Justiça é repetitiva”, diz Derek Oedenkoven, sócio da empresa.

Segundo ele, há casos repetitivo­s que podem ser automatiza­dos em áreas como direito tributário e administra­tivo, elaboração de inventário, ação de despejo, contratos de aluguel, compra e venda e multa de trânsito.

Angelo Caldeira, presidente da empresa Looplex, diz que, com o sistema de sua startup, baseado em inteligênc­ia artificial, é possível criar uma petição em casos simples (como ações relacionad­as a direito do consumidor) em cinco minutos, em vez de duas horas.

“Queremos fazer o advogado muito mais produtivo e fazer a vida dele melhor, sem copia e cola, recorta e cola”, diz.

O empresário diz acreditar que, no futuro, além das petições, julgamento­s também poderão ser feitos com auxílio da tecnologia.

“O juiz não vai precisar dizer mil vezes a mesma coisa em ações iguais, o sistema vai passar a prever a decisão”, diz.

Por outro lado, Caldeira diz que, em vez de gerar desemprego, a tecnologia irá baratear os serviços e, com isso, torná-los acessíveis a quem hoje não pode pagar por eles.

Rita Cortez, presidente do IAB (Instituto dos Advogados Brasileiro­s), diz ser favorável à tecnologia quando ela ajuda profission­ais a gerir seu trabalho, mas ressalva que ela não deve buscar substituí-los.

“Como o robô tem condições de dar, em sua plenitude, uma orientação jurídica? Como ele vai prever todas as hipóteses de um caso?”

“O Brasil tem uma centena de milhões de processos e não existe essa mesma quantidade de assuntos em discussão. Muita coisa na Justiça é repetitiva Derek Oedenkoven, sócio da Tikal Tech, que desenvolve­u robôs que geram petições

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Danilo Verpa/Folhapress

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