Folha de S.Paulo

‘Tick, Tick…’ celebra melhor do autor de ‘Rent’

Montagem tem versões sonora e tematicame­nte precisas das letras, como é raro ouvir no teatro musical brasileiro

- Nelson de Sá

Tick, Tick... Boom!

Teatro Faap, r. Alagoas, 903. Ter. e qua., às 21h. Até 12/12. R$ 60 a R$ 90. 12 anos

A história é muito simples, mas bem costurada, as canções são de qualidade. Percebe-se logo por que Lin-Manuel Miranda, o criador do festejado “Hamilton”, resolveu transforma­r “Tick, Tick… Boom!” em filme.

O pequeno musical, que estreou formalment­e em 2001, mas nasceu no palco como “monólogo rock” em 1990, parece estar sempre a um passo de “Rent” —o musical posterior e histórico de Jonathan Larson (1960-96), sobre o impacto da Aids numa comunidade de artistas.

Remete em parte aos mesmos tópicos e ritmos. De certa maneira, anuncia “Rent”, explorando a própria vida de Larson numa Nova York de quitinetes, da boêmia teatral que o cercou até morrer cedo, tornando sua trajetória tão romântica.

É quase uma trama de chegada à maturidade, “coming of age”, no caso, de alcance da vida plena como artista. E as suas primeiras composiçõe­s já prometem, sobretudo aquelas que sobrepõem duas ou as três vozes.

Para tanto, conta com versões sonora e tematicame­nte precisas das letras, como é raro ouvir no teatro musical brasileiro, talvez por terem sido feitas pelos próprios atores Bruno Narchi e Thiago Machado.

A encenação se concentra no trio de intérprete­s e nos quatro integrante­s da banda. Não é produção de recursos para cenários etc., mas no que investe, ou seja, em seu foco nos atores e na música, o saldo é palpável.

A banda, com os solos de guitarra de Thiago Lima e a regência teatralmen­te atenta do tecladista Jorge de Godoy, responde à altura dos sonhos roqueiro-musicais de Larson.

No elenco, na apresentaç­ão que se viu, o início titubeante logo fica para trás e os três oferecem cenas memoráveis dos bastidores e das aflições do teatro, que são também deles, que vêm se firmando na cena musical.

Narchi e Machado, na sala mais intimista da Faap, dirigidos em interpreta­ção e voz por Leopoldo Pacheco e Bel Gomes, mostram o quanto amadurecer­am e são capazes de se deixar arrebatar.

O resultado são quadros em que o elenco vai ao limite, cômica ou dramaticam­ente, de seus papéis e da trilha. Um deles, em que os três cantam juntos (“Sugar”, no original), é particular­mente bem-sucedido, com Machado em estado de graça.

Mas o ápice da apresentaç­ão, com aquela que é obviamente sua melhor canção (“Come to Your Senses”), é tirado do próprio musical que o protagonis­ta está compondo, no enredo.

Giulia Nadruz tem uma voz de calar o ambiente, com emoção, alcance, domínio. É especial, de cortar a respiração do espectador.

Mas “Tick, Tick… Boom!”, com todas as suas qualidades, deixa então um vazio. O que vemàmente,a os air, éo que mais haveria de joia oculta em “Superbia”. É o nome do musical anterior e esquecido de Larson, que o célebre compositor Stephen Sondheim tanto elogiou e jamais foi montado —a não ser pela música cantada por Giulia.

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