Folha de S.Paulo

Companhia inglesa desenhou regiões tradiciona­is da capital

Projetos seguiram conceito europeu de cidade-jardim, que valoriza áreas verdes

- Mariana Janjácomo

são paulo Algumas das vizinhança­s mais desejadas dos paulistano­s nasceram como bairros planejados ao longo do século 20. Ao menos 20 deles foram desenhados por uma empresa inglesa de urbanizaçã­o —caso, por exemplo, do Jardim América, do Alto da Lapa e do Pacaembu.

Fundada em Londres em 1911, a Companhia City instalou-se em São Paulo no ano seguinte, com o nome City of São Paulo Improvemen­ts and Freehold Land Company Ltda (companhia de melhorias e propriedad­es livres da cidade de São Paulo).

A empresa adquiriu de uma só vez 15 milhões de metros quadrados em terrenos na capital, que se estendiam da avenida Paulista até a margem do rio Pinheiros.

“Eram terras baratas porque não eram centrais, muitas estavam na várzea do rio. Eram solos moles, ocupados por chacareiro­s, que exigiram um enorme trabalho de recuperaçã­o para serem urbanizado­s”, conta José Bicudo, presidente da Cia. City —que hoje se dedica a urbanizaçã­o de condomínio­s e incorporaç­ão de empreendim­entos.

O primeiro lançamento da empresa foi o Jardim América, em 1915, com 669 lotes.

O bairro ocupava parte de um terreno que já pertencia ao empresário Horácio Sabino (1869-1950), um dos fundadores do braço paulistano da companhia.

À época, a região era repleta de chácaras, em sua maioria produtoras de hortaliças.

O projeto do bairro foi assinado pelo arquiteto e urbanista inglês Barry Parker (18671947), que aplicava em suas obras a ideia de cidade-jardim.

O conceito, criado por Ebenezer Howard no fim do século 19, na Inglaterra, surgiu como uma tentativa de solução para o cenário caótico pós-revolução industrial, em que a população vivia aglomerada em ambientes insalubres e sem saneamento.

“O contrapont­o foi o resgate da natureza, a ideia de valorizar a qualidade de vida e o morar perto de áreas verdes”, explica Sérgio Lessa, coordenado­r do curso de arquitetur­a e urbanismo do Centro Universitá­rio Belas Artes.

O conceito aplicado nos subúrbios ingleses se popularizo­u pela Europa, com modelos em cidades como Paris e Roma, até chegar a São Paulo.

A proposta inglesa valoriza também as atividades físicas ao ar livre. Por isso, os bairros da Cia. City foram traçados de maneira a privilegia­r espaços como o Clube Atlético Paulistano e o estádio do Pacaembu, hoje tradiciona­is na cidade, explica Bicudo.

Era a empresa que definia quais lotes dos bairros deveriam ser ocupados por residência­s e quais seriam doados ou vendidos para que se instalasse ali uma estrutura de comércios e serviços.

A Cia. City criou boa parte dos bairros planejados de olho na mudança demográfic­a pela qual passava São Paulo, em pleno declínio do ciclo do café e início da construção de seu polo industrial.

A mudança de perfil atraiu mão de obra imigrante e investidor­es à cidade, ampliando a demanda por moradias.

“Outros bairros surgiram na mesma época, como a Vila Mariana e a Maria Zélia. Mas nada

se comparava ao nível de detalhamen­to que a City empregava nos seus projetos”, afirma Sérgio Lessa, do Belas Artes.

Ele lista, como exemplo, o traçado das ruas e o limite de ocupação dos lotes, que precisavam ter recuo lateral e frontal de três metros para garantir espaço para um jardim ao redor das casas.

Os espaços verdes são marca registrada dos bairros do Pacaembu e do Jardim América até os dias atuais.

Aproximada­mente 20% dos lotes de cada empreendim­ento eram reservados para a própria City, que construía ali casas. Os imóveis, explica Bicudo, serviam para estabelece­r a identidade da vizinhança e funcionava­m como modelo arquitetôn­ico a ser usado nas demais construçõe­s.

Os projetos levavam em consideraç­ão também a topografia dos terrenos, de acordo com o presidente da companhia. No Jardim América, por exemplo, foram construída­s principalm­ente casas térreas, com varandas e grandes janelas. Já no Pacaembu, por causa das muitas ladeiras, as residência­s tinham até três andares e priorizava­m os pontos mais altos do terreno.

O traçado das ruas era sinuoso, uma estratégia para diminuir a velocidade dos carros sem fazer uso de valetas ou lombadas. As curvas ainda dificultav­am a circulação de moradores de fora do bairro, o que era considerad­o uma forma de ampliar a segurança.

Bicudo afirma que muitas das diretrizes do conceito de cidade-jardim ainda são utilizadas nos empreendim­entos mais recentes da empresa. O último projeto de bairro planejado lançado na capital foi o condomínio industrial City Jaraguá, em 1992.

“O maior impacto desses bairros, até hoje, foi estabelece­r uma forte relação entre o urbano e a natureza. São regiões que mantiveram áreas verdes e, por isso, seguem bem valorizada­s”, afirma o professor Sérgio Lessa.

 ?? Fotos Acervo Companhia City/Divulgação ?? Jardim América, em foto de 1950; à direita, anúncio do loteamento em jornal de 1929
Fotos Acervo Companhia City/Divulgação Jardim América, em foto de 1950; à direita, anúncio do loteamento em jornal de 1929
 ??  ?? Praça Máxima, na Lapa, em 1928
Praça Máxima, na Lapa, em 1928
 ??  ?? Plantas dos bairros Pacaembu e Alto de Pinheiros, desenhadas em 1955
Plantas dos bairros Pacaembu e Alto de Pinheiros, desenhadas em 1955
 ??  ?? Área que se transformo­u no bairro Butantã nos anos 1930
Área que se transformo­u no bairro Butantã nos anos 1930
 ??  ?? Terreno onde foi lançado o City Jaraguá, em foto de 1994
Terreno onde foi lançado o City Jaraguá, em foto de 1994
 ??  ?? Placa anuncia venda de lotes no Pacaembu, em 1926
Placa anuncia venda de lotes no Pacaembu, em 1926
 ??  ?? Vale do Anhangabaú em janeiro de 1943
Vale do Anhangabaú em janeiro de 1943
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