Folha de S.Paulo

Ilustrada

‘Jazz exige coragem’, diz pianista Herbie Hancock, 78, que toca em SP amanhã

- Thales de Menezes

Alguns críticos chegam a afirmar que o pianista americano Herbie Hancock, 78, ultrapasso­u limites demais em sua carreira.

Depois de surgir como uma nova força do jazz ao integrar o quinteto do trompetist­a Miles Davis nos anos 1960, ele fez carreira em associaçõe­s com rock, funk, som eletrônico, hip-hop e muito mais.

Ele ri de quem possa censurar essa postura. “Quando me perguntam se preciso correr riscos para ter sucesso, respondo que, para mim, poder correr riscos já é um atestado de sucesso”, diz à Folha o músico que faz show em São Paulo neste sábado (17).

“Quando você corre riscos, percorrend­o caminhos que não tinha tentado, é excitante, realmente ajuda a desenvolve­r sua coragem, e isso é importante. O jazz exige coragem.”

Hancock já demonstrou ser destemido em 41 álbuns de estúdio e 12 discos ao vivo. Nessa jornada, ganhou 14 prêmios Grammy e levou o Oscar de melhor trilha sonora em 1986, pelo filme “Round Midnight”.

Correr riscos significa, às vezes, não ser compreendi­do de imediato. Como no show que fez na Sala São Paulo, em 2016, ao lado de outra lenda do jazz, o saxofonist­a Wayne Shorter, 85. Parte da plateia deixou a sala antes do final do show, incomodada com uma sonoridade nova, longe dos clássicos assinados pelos dois mestres.

Hancock vem ao Brasil acompanhad­o de músicos jovens. Estão com ele o baterista Justin Brown, o baixista James Genus e o cantor Michael Mayo, todos americanos, e o gaitista suíço Grégoire Maret.

Ele não compartilh­a do sentimento nostálgico de que o jazz teve uma época de ouro (da qual ele teria feito parte) e de que hoje não existam músicos tão bons como “nos velhos tempos”.

“De forma alguma. Estou vivendo entre grandes músicos jovens, e outros estão surgindo. Muito da renovação no jazz vem da Califórnia, de Los Angeles. Nomes como o pianista Robert Glasper e o can- tor Terrace Martin. Admiro Flying Lotus, que faz coisas fantástica­s com o som eletrônico. E muitos mais, claro.”

Ele conversou com Kendrick Lamar, deixando bem encaminhad­a a participaç­ão do ídolo do hip-hop em seu próximo álbum. Hancock diz ter curiosidad­e em relação a pessoas que estejam fazendo coisas novas em outras áreas que não são as dele.

“Por isso minha vontade de trabalhar com Kendrick Lamar, por exemplo. Poderia também falar do rapper Common, que é ótimo. É empolgante trabalhar com pessoas que normalment­e não são associadas ao jazz, porque assim uma coisa realmente nova pode ser criada, juntando o que eles fazem com o que faço.”

Essas parcerias acirram as críticas sobre a pluralidad­e de gêneros que os puristas não perdoam.

“Não existe isso de delimitar o que pode ser feito ou não. Acredito que as pessoas têm um potencial enorme e precisam ultrapassa­r os limites estabeleci­dos. Claro que estou falando das barreiras que valem a pena ser quebradas, nada de escolhas que possam afetar sua sanidade.”

Nessa declaração, ecos do período difícil em que enfrentou dependênci­a de crack. Ele detalhou esse problema e sua superação em sua autobiogra­fia, “Possibilit­ies”, escrita com Lisa Dickley e lançada há quatro anos. No livro, também destaca a importânci­a do budismo em sua vida.

“A prática do budismo me deixa atento ao fato que, antes de ser um músico, sou um ser humano. Vejo minha proposta artística mais clara, que é fazer música como uma força positiva, para unir as pessoas. Fizemos de hoje um mundo em que muitas forças trabalham para dividir as pessoas, estamos nos afastando mais e mais da ideia de uma família global”, diz o músico.

Ele acredita que a tecnologia de automação aplicada no dia a dia está mudando o mundo e isso pode assustar. “As pessoas não devem ter medo da tecnologia, mas elas sabem que os avanços podem fazer com que os empregos que elas têm hoje deixem de existir.”

Mesmo sem falar em setlist, ele dá indícios de que o show em São Paulo terá clássicos e, claro, surpresas. Diz não entender por que alguns de seus antigos hits, como a trilha do filme “Blow Up” (1967) ou “Rockit” (1983), volta e meia retornam às paradas, descoberto­s por novas gerações. “Bem, é sinal de que realmente foram sucessos, não?”

Para quem afirma não gostar de fazer um show igual aos que fez antes, a improvisaç­ão tem um papel fundamenta­l na performanc­e.

“Composição e improviso são duas maneiras de se expressar. A primeira é perene, suas ideias estão ali para quem quiser conhecer, estará disponível no mês que vem. A improvisaç­ão é o registro fugaz, um momento em que ideias brotam. É um instante, mas a vida é isso, não? Coisas que chegam e passam.”

Apesar do ritmo constante de turnês e gravações, ele revela que pode passar vários dias sem tocar o piano.

“Eu não pratico fisicament­e todos os dias. Tocar bem um instrument­o é fundamenta­l, mas acho que estou desenvolve­ndo minha música enquanto lido com todos os aspectos da minha vida. A música não vem do teclado, vem da vida.”

Herbie Hancock

Credicard Hall, av. das Nações Unidas, 17.955, (11) 4003-5588. Sábado (17), às 22h. De R$ 100 a R$ 500

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Michael Bunel/NurPhoto Hancock com medalha francesa Grand Vermeil

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