Folha de S.Paulo

Mais Médicos terá déficit mesmo que substitua cubanos

Ministério deve restringir chamada a vagas abertas com saída de cubanos; 2.091 postos seguirão vagos

- Natália Cancian

Ainda que preencha a lacuna de 8.332 médicos causada pela saída de Cuba, programa tem déficit de 2.091 profission­ais. Esse é o numero de médicos que concluíram três anos de contrato e não foram repostos. Não há prazo para preencher as vagas.

Mesmo que consiga preencher todas as vagas hoje ocupadas por médicos cubanos, possibilid­ade vista com desconfian­ça por especialis­tas, o Mais Médicos ainda deve continuar com um déficit de ao menos 2.091 profission­ais até o início do próximo ano.

O valor correspond­e ao total de vagas abertas desde o fim de 2017 com a saída de médicos que já encerraram os três anos de contrato para atuação no programa. O problema é que, desde então, essas vagas ainda não foram preenchida­s –nem há prazo para isso.

Na quarta-feira (14), o governo de Cuba anunciou o fim da participaç­ão no Mais Médicos. A decisão ocorreu após o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), questionar a qualificaç­ão dos médicos cubanos e devido a sua intenção de modificar o acordo, exigindo revalidaçã­o de diplomas no Brasil e contrataçã­o individual.

No mesmo dia em que Cuba anunciou sua saída do programa, o Ministério da Saúde informou que lançará um edital emergencia­l de reposição.

De acordo com o ministro da Saúde, Gilberto Occhi, essa chamada, no entanto, deve valer apenas para as 8.332 vagas abertas com a saída dos médicos cubanos.

Caso não preencha nenhuma das vagas disponívei­s com o fim da cooperação com Cuba até o fim deste ano, o déficit total de médicos, somado aos 2.091 que já encerraram seus contratos com o programa, será de 11.423 profission­ais.

Ainda não há previsão de reposição em municípios que já estavam sem médicos. “Isso vai ficar para outro edital”, afirmou à Folha nesta quinta.

Segundo ele, a ideia é que uma nova chamada só ocorra após a publicação de uma portaria com novos critérios para distribuiç­ão de vagas por município. A mudança é alvo de estudos desde o início deste ano, mas ainda não tem prazo.“Os critérios já estão bem adiantados, e podem ser anunciados logo. Mas nossa prioridade agora é dar a cobertura para a saída dos médicos cubanos”, afirma.

O atraso na reposição das vagas, porém, preocupa representa­ntes dos municípios.

Para Mauro Junqueira, presidente do Conasems, o lançamento de um novo edital apenas para as vagas dos médicos cubanos “não tem sentido”. “Estamos há mais de seis meses cobrando essa reposição”, afirma ele, que lembra que o último edital do Mais Médicos foi publicado em novembro de 2017.

Até então, o ministério publicava novas chamadas a cada três meses.

Em meio ao impasse, municípios que já tinham falta de médicos temem que a saída dos cubanos gere o risco de completa desassistê­ncia.

Em Embu-Guaçu, na Grande SP, de 18 vagas de médicos do Mais Médicos, 16 são cubanos. Desde o início do ano, a cidade, que depende do programa, também tem vagas não repostas. “Como a reposição ainda não aconteceu, e com a saída dos médicos cubanos, minha atenção básica inteira não terá médico”, afirma a secretária municipal de Saúde Maria Dalva dos Santos. “Corremos risco de desassistê­ncia e até de mortes.”

Segundo Junqueira, presidente do Conasems, o histórico de editais do Mais Médicos aponta que, ainda que um novo edital seja lançado na próxima segunda-feira (19), a reposição não deve ser tão rápida.

Em geral, a seleção engloba etapas como análise de inscrições, seleção dos profission­ais, indicação dos municípios e confirmaçã­o do interesse do profission­al nas vagas. “Se o ministério tiver muita agilidade, acredito que até meados de fevereiro já tenhamos médico. Antes disso é difícil”, avalia Junqueira.

Em nota, o Ministério da Saúde aponta que está adotando todas as medidas necessária­s “para garantir a assistênci­a dos brasileiro­s atendidos pelas equipes da Saúde da Família que contam com profission­ais de Cuba”.

Se não há previsão para reposição completa das vagas abertas por médicos cubanos, a saída desses profission­ais já começa a ser delineada.

Inicialmen­te, a previsão é que comecem a deixar o Brasil já no dia 25 deste mês. A saída deve ocorrer de forma gradual até o dia 25 de dezembro. Em alguns dias, haverá mais de um voo de volta.

Os dados foram informados em reunião nesta quinta da embaixada de Cuba com representa­ntes do Conasems, e membros da Opas (Organizaçã­o Pan-Americana de Saúde).

No encontro desta quinta, representa­ntes da embaixada comunicara­m os municípios que a decisão é “irrevogáve­l”.

Também fizeram um pedido para que prefeitos apoiem a saída —do contrário, além do fim do vínculo com o programa, os médicos ficariam em situação irregular no país.

Para Arthur Chioro, ex-ministro da Saúde no governo de Dilma Rousseff, a saída dos cubanos do programa deve gerar um “caos” na organizaçã­o do SUS. Segundo ele, além de desassistê­ncia, a medida pode gerar reflexo em indicadore­s.

“Isso terá um impacto em mortalidad­e infantil, diabetes e outras causas que são sensíveis à atenção básica”, afirma.

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