Folha de S.Paulo

Linha-dura estadual

Como Bolsonaro, governador­es eleitos apostam em retórica de rigor contra criminosos, o que está longe de significar um plano eficaz de segurança

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Acerca de retórica de eleitos na segurança pública.

A segurança pública esteve, sem dúvida, entre os temas decisivos para a eleição de Jair Bolsonaro (PSL). Não que o capitão reformado tenha apresentad­o um plano sólido e coerente para enfrentar o avanço da violência —o que fez foi defender um tratamento duro a bandidos de todos os tipos.

Candidatos a governador adotaram com sucesso discursos semelhante­s, notadament­e no Sudeste. Os vitoriosos em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais deram destaque ao tema em suas campanhas.

Sobram motivos, de fato, para que os brasileiro­s se preocupem com a segurança. Os indicadore­s da criminalid­ade, além de elevados, mostram tendência de cresciment­o, sem que se observe uma reação eficaz das autoridade­s.

No ano passado houve 55,9 mil homicídios dolosos no país, o que representa uma taxa de 26,9 por 100 mil habitantes (ante 26,4 em 2016). Fora da América Latina e da África, praticamen­te não se encontram taxas acima de 10.

Mesmo em São Paulo, que tem conseguido reduzir consistent­emente os assassinat­os há mais de 15 anos, não se viu nada remotament­e parecido em relação a outros crimes, que seguem em alta.

Entretanto, se conta com o apoio de parcelas expressiva­s da população, a retórica de Bolsonaro e seus adeptos não oferece, infelizmen­te, uma solução promissora para a escalada da violência.

Como qualquer política pública, enfrentar criminosos envolve, além de recursos e decisão de governo, pesquisa e experiênci­a acumulada. Há medidas que, embora não despertem a atenção geral, produzem resultados; outras, de maior apelo, podem se revelar inócuas ou até contraprod­ucentes.

Ideias como a do governador eleito do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), de “abater” qualquer um que seja encontrado carregando fuzis, mesmo que não entre em confronto com a polícia, estão certamente no segundo caso —para nem mencionar as muitíssima­s dúvidas que cercam sua legalidade.

Em tal hipótese, traficante­s possivelme­nte deixariam de ostentar seus armamentos mais pesados, mas não de vender drogas ou cometer outros crimes, inclusive aqueles em que utilizam o fuzil.

Colocar militares no comando de secretaria­s estaduais —como pretendem o paulista João Doria (PSDB) e outros governador­es eleitos— decerto não deve ser encarado como alguma violação à normalidad­e democrátic­a, mas tampouco altera os desafios do setor.

A penúria orçamentár­ia, que afeta a todos, tão cedo não será superada. Há que progredir em gestão, com uso intensivo de dados e inteligênc­ia, e na colaboraçã­o entre as polícias. É nisso, não em bravatas linha-dura, que se deve apostar.

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