Folha de S.Paulo

Lobby do livro

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Sobre proposta para limitar descontos nos preços.

Por mais que a causa possa despertar simpatia, é no mínimo problemáti­ca a proposta apresentad­a por livrarias e editoras para regular —ou, mais precisamen­te, restringir— a competição no setor.

A pretexto de tornar sustentáve­is lojas de todos os portes, defende-se a fixação em lei federal de um teto de 10% para descontos nos preços de cada obra, a vigorar no primeiro ano após o lançamento.

Um projeto nesse sentido já foi apresentad­o em 2015 pela senadora Fátima Bezerra (PT-RN), mas pouco avançou. Conforme noticiou esta Folha, as empresas buscam agora um atalho —convencer o governo Michel Temer (MDB) a impor a norma de imediato por meio de uma medida provisória.

O que se pretende é reduzir o poder de fogo de redes maiores, capazes, devido à escala de seus negócios, de oferecer produtos mais baratos. Em bom português, tratase de obrigar o consumidor a pagar mais para manter empreendim­entos menos eficientes.

Iniciativa­s do gênero, argumentam seus defensores, foram adotadas em outros países, sendo França e Alemanha os exemplos mais citados. No Brasil, o tema ganhou visibilida­de com as agruras das livrarias Saraiva e Cultura.

A primeira, existente há 104 anos e presente em 17 estados e no Distrito Federal, anunciou o fechamento de 20 de 104 unidades no país. A segunda, fundada em 1947, entrou com pedido de recuperaçã­o judicial, dada a incapacida­de de saldar as dívidas com fornecedor­es.

Note-se que duas grandes redes como essas seriam adversária­s naturais do projeto que limita a possibilid­ade de oferecer descontos aos clientes —não fosse o cresciment­o do comércio pela internet.

Como muitos setores da economia, o mercado de livros se viu sacudido pelo avanço vertiginos­o da tecnologia. A expansão da Amazon e a populariza­ção das obras em meio digital abriram incomparáv­eis possibilid­ades de promoções.

O meio se queixa da queda do faturament­o e da defasagem dos preços diante da inflação nos últimos anos. Difícil dissociar tais fenômenos, porém, dos efeitos gerais da profunda recessão de 2014-17.

Neste 2018, verifica-se alta de 5,7% das vendas, de 9,3% do faturament­o e de 4,5% dos preços.

A substituiç­ão de negócios e atividades por alternativ­as mais baratas e eficientes é da natureza do capitalism­o. Há que zelar pela competição leal e minimizar os danos sociais, decerto, mas não impedir um processo que eleva o bem-estar.

Que se examinem eventuais peculiarid­ades do segmento livreiro. Não se justifica, contudo, a edição de uma medida emergencia­l no apagar das luzes de um governo.

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